Fenda (Papisa)
Depois do EP (extended play) de 2016, o projeto da cantora, compositora e instrumentista brasileira Rita Oliva regressa com o seu primeiro álbum, Fenda. É um disco de títulos curtos e palavras claras, com poucos artifícios. Não é de de fácil digestão, mas, tal como acontece com a comida, o fast-food nunca é a opção mais saudável.
Ao longo das nove faixas que o compõem, este disco revela o que há de mais profundo nas camadas criativas da mente musical da artista. Há uma sonoridade crua, sombria e intimista que nos transporta para as questões existenciais que a assombram. A relação com a morte e a sua inevitabilidade — ou, como consta na descrição do seu canal de YouTube, os “ciclos de morte e renascimento” — é o principal tema dos seus poemas.
É de relembrar que Oliva não é nenhuma desconhecida do público brasileiro, visto ser ex-integrante das bandas PARATI e Cabana Café. No entanto, há algo de bastante diferente e único no seu conceito atual. As suas canções são lentas, de cordas sombrias ou nostálgicas, cheias de texturas e atmosferas, num dream pop ousado e místico, mas coerente. Destaque para “A Velha“, “Terra“, “Fenda” e “Espelho“.
i,i (Bon Iver)
Chegou o quarto álbum de estúdio de Bon Iver, o principal projeto de Justin Vernon. Indubitavelmente, o seu nome está já associado a altas expectativas, sendo o autor de alguma da música mais interessante da atualidade. Felizmente, não desiludiu — mas surpreendeu.
i,i é talvez o disco mais evolutivo de Vernon. A coerência com o seu restante repertório é inquestionável e o reconhecimento da sua voz, dos arranjos acústicos e eletrónicos e de toda a produção continua a ser evidente. No entanto, de repente, chega-nos uma sonoridade mais alegre e primaveril do que nunca. Talvez o mês de lançamento não tenha sido escolhido ao acaso…
As canções prodigiosas não foram economizadas, e ainda bem. A doçura de “Hey, Ma” e de “U (Man Like)” — esta última com o melhor momento de piano no álbum — são dois dos grandes achados. A juntar a esses, “Naeem“, “Faith“, “Marion” e “Salem” também completam o registo da melhor maneira.
Este trabalho comprova, pela quarta vez, o quão próprio e inconfundível é o estilo de Vernon; e este seu projeto, de camadas complexas e letras de difícil interpretação, tem conseguido, de maneira sublime, passar a carga emocional e preenchida que faz parte do seu imaginário (e da sua realidade). Por vezes, canta-nos sobre as coisas mais mundanas, fazendo uso de ideias praticamente indecifráveis, mas a excelência com que elabora o seu conceito eleva-o à genialidade.
Superbloom (Ra Ra Riot)
Superbloom não ficará na história de Ra Ra Riot como um dos seus melhores trabalhos. Os instrumentais, vibrantes e alegres, não cobrem a fragmentação que se faz sentir ao longo do alinhamento. Trata-se de um registo que permite que se associem mais umas quantas boas canções ao repertório dos nova-iorquinos, mas não resulta enquanto álbum.
A identidade do grupo não está bem sedimentada e a própria coesão musical do alinhamento deixa a desejar. A cor e a jovialidade pretendidas acabam por soar pretensiosas e forçadas. Entre um eletro-pop brusco, que relembra os sons da Eurovisão (“Belladonna“; “Dangerous“) e um tiro ao lado que simplesmente não encaixa, em “Endless Pain/ Endless Joy“, há demasiados momentos confusos ou desinteressantes.
Num disco com 12 faixas, é expectável que algumas deixem uma boa marca nos nossos tímpanos. “War & Famine” resulta surpreendentemente bem, mesmo soando a desabafo de millennial (geração que o grupo não integra, com certeza). De resto, os destaques ficam-se pelo início e pelo final do disco: “Flowers” e “Bad To Worse“, que abrem Superbloom, e “An Accident” e “A Check For Daniel“, que o fecham. Nestas canções, há uma nota comum que parece encarnar precisamente o conceito pretendido.
Talvez seja com a sonoridade das faixas supracitadas — com reminiscências de Vampire Weekend e do soft-pop dos ingleses The Feeling — que Ra Ra Riot se conseguirão fortalecer no panorama musical.