Foi na segunda metade do século XX que nasceram os arautos da desgraça moderna. A sobrepopulação, a escassez de alimentos, as alterações climáticas, o problema do CO2, entre muitos outros. A partir da década de 50 do século passado, iniciou-se em catadupa a criação de instituições que se dedicaram e dedicam a um conjunto de suposições “científicas” e que produzem com relativa frequência matéria que, tal como a semântica de ciência reproduz, são contestáveis ou, usando um termo anglo-saxónico, of reasonable doubt.
O arauto da sobrepopulação mundial, tal como o consumo excessivo seja de alimentos ou matérias, insere-se nesse mesmo patamar, onde começa a verdade e onde acaba a mentira.
A realidade da geografia
Actualmente a população mundial cifra-se nos 8.050.492.900 indivíduos, 8 biliões em números redondos. A superfície terrestre total cifra-se nos 510.000.000 Km2, sendo desses 149.000.000 km2 a superfície total de todos os continentes, enquanto a Antárctica, o Árctico e os Desertos ocupam uma área de 59.960.000 Km2 desses 149 milhões disponíveis.
A sobrepopulação mundial é um assunto, ainda que não exclusivo, da demografia e da geografia primeiramente, consistindo na relação entre o espaço disponível e a carga que o ocupa, ou irá ser ocupada. Ninguém carrega uma galera de 30 m3 com uma carga de 40 m3 – é fisicamente impossível.
De grosso modo, nos 89.040.000 Km2 restantes, com a actual população, cerca de 90 indivíduos teriam de partilhar 1 Km2, ou seja a densidade populacional mundial é de 90 hab/km2 (de notar que Portugal é dos países com maior densidade populacional na Europa, com uma média de 500 hab/km2, tendo Lisboa uma densidade populacional de 5.445,2 hab/km2).
Demográfica e geograficamente, o mundo no seu todo está despovoado, mas esta simples analise levanta outras questões importantes. Os dados indicam-nos que existem efectivamente zonas sobrepovoadas, em detrimento de outras quase despovoadas de habitantes.
Demografia e economia
É a demografia que delineia a economia. Ou seja, quanto maior a concentração populacional, maior a carga económica necessária e a carga económica é delineada pela econometria. Adam Smith, o pai da economia moderna, introduz na ciência económica o conceito de comportamento societário e a econometria refere-se aos hábitos de consumo e o seu impacto no planeamento da economia.
Se pegarmos em Lisboa como exemplo, podemos dizer que é uma zona densamente habitada e que consome em excesso – a demografia e economia mostram isso. A sobrepopulação lisboeta é incapaz de produzir o seu próprio consumo, mas é um fenómeno micro (microeconómico e microdemográfico), que naturalmente irá produzir estudos alarmantes e de onde se irão retirar as devidas conclusões no plano micro, mas o micro não é o macro.
Em termos macro, Portugal, ainda que sendo um dos países mais densamente habitados da Europa, já não reflecte o mesmo panorama de sobrepopulação, nem de excesso de consumo e devemos ter bastante cuidado ao referimos excesso de consumo, porque é uma ilusão esse conceito.
Qualquer excesso é, por força de razão, um extra ao que realmente é necessário e aludir excesso de consumo nos actuais moldes é uma percepção errada. Não existe excesso de consumo, existe escassez de producção. Este é o flagelo actual, a escassez e não o excesso.
Faria sentido, em termos micro, aludir que a família Saraiva da classe alta consume recursos em excesso, comparativamente ao consumido pela família Otelo, que vive na classe média, ou vice versa. O ponto fulcral são os hábitos adquiridos e o poder económico individual (econometria).
Por outro lado, é o consumo que demanda a produção. Se Portugal abdicou do sector primário e secundário da economia (sectores produtivos), reduzindo a sua presença, como podemos falar em excesso de consumo, se produzimos em déficit?
Criaram-se, assim, duas percepções intrínsecas: sobrepopulação e excesso de consumo. São estas duas percepções erradas, que aceleram o colapso do ocidente. As duas em conjunto formam uma ideia sólida, capaz de alienar as mentes do ocidente, levando-as ao seu próprio colapso, isto em termos populares é o mesmo que dizer – somos demasiados, consumimos demasiado, alguém tem de ir.
A verdade da mentira
A má gestão de recursos e o planeamento demográfico deficiente é que constituem, na realidade, o problema do mundo ocidental, aliado à completa morte da competência da sociedade (Tom Nichols, em A morte da Competência).
A Alemanha desindustrializou-se, a França e os Países Baixos reduziram a escombros o sector agrícola e pecuário, a Península Ibérica planta painéis solares, hectares de Pêra Abacate e outras frutas exóticas, plantou vinhas (um dos maiores produtores vinícolas) e eucaliptos e querem pão?
Desde 1970 que o crescimento populacional mundial vem a diminuir. A taxa de crescimento, em 1970, situava-se nos 2,1% e, em 2022, situava-se nos 0,90%. Acresce ao facto que a longevidade do Homem, no mesmo período, cresceu. A manter-se tal tendência, em 2030, o saldo será nulo, esperando-se um decréscimo, durante as várias décadas seguintes.
Se um problema é completamente falso (demografia), o outro (economia) é ilusório. Nem somos muitos, nem consumimos em excesso, somos mal governados, mal geridos e a sociedade tornou-se incompetente.
Ainda que o artigo aqui seja vocacionado para a “sobrepopulação e excesso de consumo” esses mesmos derivam de outros arautos, que no seu conjunto procedem a uma fallacia non casuae ut casuae. E as conclusões que daí derivam, dessa promiscuidade relativa, constituem-se in natura percepções, que deveriam criar na sociedade o pensamento de que a verdade está na profundidade e não na mera superfície como se expõe o assunto.
É-me pessoalmente mais grave a relatividade e a insensatez com que se abordam estes assuntos na sociedade do que propriamente os mesmos. Qualquer lengalenga hoje, por mais elaborada que seja, não admite questões e esse facto é na realidade o acelerador do nosso colapso.
Séneca, um filósofo, advogado, escritor e conselheiro no Império Romano, na obra Da vita beata I, 4, escreve algo imemorial e bastante actual: “Unusquisque mavult credere quam judicare“.
Demasiadas são as teorias da conspiração, disseminadas pelos arautos que insistem em negar a ciência, e que se fundamentam em dados e pseudofactos ininteligíveis. Os supra-sumos da sapiência que andaram a espalhar e defender uma espécie de teoria Malthusiana, onde afirmavam que a covid e a vacina contra a mesma, eram apenas uma arma biológica para se acabar com a superpopulação e o consequente excesso de consumo, são os mesmos que hoje defendem que o planeta é inesgotável em recursos e que as alterações climáticas são só mais uma falácia. É curioso!!
“Sapientiam autem non vincit malitia”