Quando era miúda, com 6 ou 7 anos, tinha cravos nos dedos das mãos. Eram umas pequenas saliências que não doíam nem criavam incómodo de maior, mas que davam um aspeto de tronco ramificado aos meus dedos. A minha mãe ensinou-me uma lengalenga para eu rezar todas as noites. As minhas lembranças são muito vagas, mas tenho o flashback de um dia acordar e os meus dedos já não terem aspeto de troncos de árvores e de posteriormente termos oferecido uma dúzia de cravos a S. João D’Arga como agradecimento. Para além das rezas, não me lembro se usei algum produto farmacêutico ou mezinhas caseiras.
Este episódio foi a minha primeira noção de milagre.
Um milagre é um benefício físico que um determinado Deus opera. Para a religião, seja ela qual for, um milagre ocorre quando é restituída uma capacidade física considerada natural ao ser humano.
E tudo o que é natural e intrínseco ao ser humano é apelativo e alvo de estudo pela ciência.
Perceber como determinada pessoa recupera de uma situação de doença grave, ou recupera uma faculdade motora ou escapa ilesa a uma situação que expôs a sua integridade física é um enigma. Daqui nascem as buscas de respostas e explicações científicas sobre os milagres anunciados ao longo da história e do Mundo.
A História que conhecemos está cheia de milagres, em que desconhecemos os detalhes, e que a ciência tenta averiguar e adivinhar hipóteses para encontrar explicações. Chamamos milagres também às situações das quais temos desconhecimento técnico e falta de informação. Quando não sabemos explicar algo dizemos que foi um milagre, não nos demoramos com procuras, as procuras trazem perguntas e as perguntas trazem sempre o desconforto de viver com as respetivas respostas.
A palavra milagre dá esperança, e a maior parte das vezes usamo-la exageradamente.
Um milagre implica uma situação concreta e não o potencial de uma situação ocorrer. Para a maioria dos crentes, é confortável assumir que existe alguém que os protege, que os “aconselha” a virar à esquerda num cruzamento e assim não se ver envolvido num determinado desastre.
Aceitar que estamos sujeitos e vulneráveis a uma série de acontecimentos aleatórios que tanto nos beneficiam como prejudicam e que eventualmente até mesmo que exista um Deus, este terá coisas mais importantes a resolver numa Terra do que ir connosco para todo o lado é egoísta e assustador (o outro bico deste pau é que nestes pressupostos Deus também participa nas situações mais íntimas).
Viver só de nós, sem uma ajuda divina, é aterrador, precisamos de um sentido de proteção constante, somos dependemos da família, da entidade empregadora, do estado, da sociedade onde estamos inseridos e de um Deus (seja ele qual for).
Cresci como cristã praticante e tornei-me numa apática cristã. Considero-me apática, porque não participo e questiono a maior parte das coisas que envolvem a religião em que cresci. Independentemente disto, não me considero não cristã ou ateia, porque mesmo que eu não queira, o que me foi incutido durante o meu crescimento, faz toda a diferença na forma como me posiciono hoje.
Acredito em milagres científicos, em que determinadas ocorrências são “just in time”. Uma doença é detetada a tempo, um movimento é efetuado a tempo, um tratamento é efetuado a tempo, mas às vezes pondero se não seria mais feliz se deixasse tudo nas mãos de um Deus em troca de umas joelhadas ou de mais umas dúzias de cravos.