Literatura Indie

Um autor independente é um autor que não publica nos grandes grupos editoriais, e que normalmente não está fidelizado só a uma editora – também ela independente. É um autor que também pode auto publicar (em papel e digital), que escreve literatura menos comercial, ou não do grande público, como poesia, contos, ou para nichos de mercado ainda mais específicos, como o terror ou a BD. É um autor com consciência das escolhas editoriais que realiza: portanto, este autor até pode publicar numa editora dita vanity, mas com a total consciência do que está a fazer, e como opção de escolha. Um grande exemplo de uma autora independente é Aurora Venturini, com livros muito fora do mainstream, que só viu o seu trabalho reconhecido por editoras tradicionais no final da sua vida. Antes ela publicou durante décadas em pequenas editoras. O nosso Miguel Torga era também um autor independente que auto publicava os seus livros como opção pessoal.

No mesmo sentido, a editora independente é aquela que não pertence a grandes grupos editoriais, publica géneros pouco comerciais e de nicho. Normalmente é uma editora pequena, e as suas escolhas editoriais costumam ser táticas. Encontramos algumas dessas editoras na Feira do Livro de Lisboa, no pavilhão dos pequenos editores, mas muitas delas não estão sequer presentes naquele certame. Têm dificuldade com a distribuição (devido ao monopólio das distribuidoras), usam a internet como principal veículo de vendas, estão muitas vezes presentes em eventos editoriais mais pequenos, locais e/ou regionais.

Editoras independentes, autores independentes e livrarias independentes estão muitas vezes interligados, e em conjunto costumam organizar certames: pequenas feiras do livro, apresentações, tertúlias, muitas vezes à mistura com exposições e eventos musicais – também eles com músicos e artistas independentes. É quase como que um submundo da cultura.

Por outro lado, temos autores que, usando muitas vezes dos mesmos meios, e sendo também independentes, não trabalham para um público mais alargado e pessoalmente desconhecido, mas sim que publicam praticamente para família e conhecidos e pequenas comunidades – por exemplo, a nível geográfico ou profissional.

O autor indie procura chegar ao público. Sabe que os seus leitores não estão à procura de romance, que gostam de outras experiências de leitura. A divulgação não é fácil – para ninguém – mas tenta chegar a clubes de leitura, grupos de leitores ou de escritores, encontros literários, feiras de livro, e tenta às vezes que esses eventos façam sentido para si, porque muitos dos eventos não vão ter o público que está à procura. O autor indie vai fazer o trabalho de verificar se determinada atividade faz ou não sentido para si.

Da parte do público há também cada vez mais pessoas curiosas por ler algo diferente. Sabem que não é fácil encontrarem o que pretendem, mas estão dispostos à descoberta e experimentação. É por isso importante que o escritor independente chegue também a outras publicações como coletâneas, revistas literárias e prémios literários.

Há quem diga que as coletâneas soam “edições de vanities”, e é verdade, mas há muitas coletâneas que não o são. O escritor independente normalmente conhece bem o mercado, também conhece bem essas edições, e sabe fazer uma escolha criteriosa daquilo em que procura participar. Há muitas coletâneas geridas por editoras indie, por prémios literários, por grupos de autores…

No que toca a livrarias também podemos falar de livrarias independentes, sobretudo se pensarmos em oposição às grandes livrarias ou a livrarias ligadas a grupos editoriais. Houve há uns tempos a lista do Valter Hugo Mãe, que já deve estar um pouco desatualizada, mas pode ser um ponto de partida. Essas livrarias são donas da sua própria montra, não vendem destaques e equilibram a oferta entre livros que permitem a sua sobrevivência e livros que adoram vender. E muitos desses livros vêm de autores independentes e de editoras independentes.

Os curiosos com novidades, apreciadores de vias alternativas e interessados no que se faz de diferente não vão querer deixar de conhecer este fenómeno.

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Comments 16
  1. Publiquei numa Vanity (na altura desconhecia o significado ou que existia sequer diferenças) e é como se estivesse sozinha… Gostei muito desta visão e deixou-me sem dúvida alguma a ponderar no caminho para os meus próximos projectos. Obrigada 😌

  2. Cada vez estou mais atenta a este assunto. Nunca publiquei sozinha, mas das duas vezes em que o fiz em coletâneas com duas “vanity” correu muito bem. Convenhamos que numa delas fui eu que organizei o evento na Feira do Livro de Coimbra. Nesse tipo de publicação já não estou interessada, mas a ideia da independência de autores e editores agrada-me bastante.

  3. Artigo muito pertinente. E acrescento que o fenómeno bookstagram veio dar maior visibilidade a autores nacionais, o que é óptimo, mas como em tudo começam a surgir elites e grupos de pessoas que têm mais destaque, e os independentes têm sempre uma dificuldade acrescida. No meu caso tento ponderar as minhas escolhas essencialmente pelo que quero escrever de momento. Os concursos são experiências fantásticas onde se aprende muito.

    1. É verdade! Também são experiências de leitura diferentes. Às vezes vamos pelo que está mais visível, o que não quer dizer que não possamos também gostar de outras coisas.

  4. Adorei, Olinda. E como tudo na vida, não existe apenas um jeito de fazer as coisas. O submundo é tão vasto quanto o grande público comercial. Cabe todo mundo no mundo. E as pessoas se afinam por aí.

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