Ligou-me num sábado à tarde, há já algum tempo que não falávamos. Acontece muito disto nas famílias, vão crescendo, dando origem a novas ramificações. No entanto, sempre que o contacto se retoma, as conversas fluem e não há mágoas ou cobranças, porque cada um tem a sua vida, é apenas a natural dispersão. E ao cabo de algumas actualizações circunstanciais, diz-me em tom feliz: vou casar.
Confesso que adoro casamentos. Os dos outros, claro. E como é uma cerimónia cada vez mais rara, é sempre com grande alegria que recebo um convite, tanto maior, evidentemente, quanto mais próxima é a relação. E dei por mim entusiasmada.
Não faço, de todo, parte daquele grupo de divorciados azedos com o tema. Gosto de ver o amor nos outros, fica-lhes bem. Acredito piamente que o amor existe e aprecio a felicidade alheia, incluindo a amorosa. Talvez não seja totalmente de forma desinteressada ou altruísta que o faço, talvez seja também porque me mantêm, face à evidência, religiosamente apaixonada pela conjugalidade. Se usufruo dela ou não, já é outra questão, e tínhamos aqui tema para artigos até ao fim do ano, o que o meu editor apreciaria com certeza. Explicando de forma resumida: posso ficar feliz porque um amigo saltou de paraquedas, embora eu não o deseje fazer. Não quer também dizer que não o venha a fazer, eventualmente, algum dia, num momento de extremada paixão… mas, para já, está fora de questão.
E então fala-me dela, que não conheço a moça. E do local do casamento e dos convites à família alargada, a tal que só se vê basicamente em alegrias ou tristezas, mas não no corriqueiro dia-a-dia. E eu, que sou a mais velha dos sobrinhos-netos, tomo consciência que já não conheço os priminhos mais novos, ou os namorados dos intermédios, e que aquele evento vai ser de facto também um encontro familiar abrangente. A brincar, sugiro que usemos o nome numa placa, com a árvore genealógica correspondente para sabermos quem é quem.
Casualmente, no dia seguinte, encontro um casal de primos sexagenários e comentamos o tema familiar do momento. Não é sem espanto que oiço dizer: ai que bom, que isto agora ninguém casa, e queremos é festa. Ri-me, porque hoje em dia também há festas de divórcios, mas tive que concordar, já tenho saudades dum casamento, que isto do covid também não ajudou. O que faz falta é animar a malta, já cantava o Zé.
E não preciso ir muito atrás, nestes meus provectos 47 anos, para ver que, se já era comum, no meu tempo de moça casadoira, não casar de facto, agora então é cada vez mais a excepção. Passámos do tempo em que casar, oficialmente, era a regra quase absoluta, com o elevado peso da tradição e do bem-parecer, para a um tempo em que os casamentos caíram em desuso.
Para esta evolução muito contribuiu a mudança de mentalidade. Talvez hoje as ligações sejam mais autênticas, vividas a dois, sem grandes manifestações públicas, sem rigidez de intermináveis regras de etiqueta de eventos, sem poupanças duma vida gastas num dia só. Ou então, a ser casamento legal, seja por vontade de celebrar a união que pode já durar há anos ou décadas, ou para partilhar uma alegria com aqueles que lhes importam, sem o peso burocrático da tradição ou do tem-que-ser a impor-se.
Vai haver festa, portanto. E eu vou fresca e fofa, porque acredito que já ninguém me vai torturar com aquelas perguntas que as velhotas fazem todas nestes eventos, entre o quando é que casas, ou quando é que tens filhos, porque já cumpri o meu dever social (hahaha). Já ninguém espera mais nada de mim nestes termos (e isso é tão libertador!) e portanto agora estou só a ver a paisagem, se é que me entendem (cof cof) .
E podem ter a certeza de que quando a noiva lançar o ramo ou como se usa agora, quando a noiva dançar com as fitas com que o soltará, eu estarei bem lá no fundo da sala a rir-me das desesperadas que se digladiam. Oculta atrás duma coluna, se possível, não vá o universo fazer das suas.
Voltarei a casa com os olhos enegrecidos da maquilhagem que foi atrás das lágrimas, talvez com menos 10 cm, calçando uns sapatos rasos, provavelmente cansada, mas feliz.
Porque o amor continua, sempre, a comover-me.
Sou uma romântica, afinal.