A bailarina

A menina é pequenina e quer ser tudo o que imagina. Um dia sonha com a música e no outro com a ciência. Hoje é uma cantora famosa rodeada pelos admiradores e mais logo é uma cientista que manipula os tubos de ensaio com a maior das facilidades. O sonho é maravilhoso! Permite que se seja tudo e não existam barreiras para o travar. A menina continua a sonhar.

Acordou para mais um dia e mais uma aventura que deve ser vivida em pleno. O sol estava alto e nada a impedia de continuar a ser feliz no seu mundo cor de rosa e preenchido com folhos de alegria, muito coloridos. Pulou, pulou e voltou a rodopiar. Caiu no chão. Levantou-se. Voltou a pular. Quero ser bailarina. É isso que quero!

Os seus poucos anos não lhe davam consciência do mundo, das armadilhas que a vida prepara para os incautos. Ser criança é não ter limites, é sonhar e não ter barreiras, é conseguir que tudo se resolva. Não existem preocupações e os sonhos são todos possíveis de realizar. As asas estão nas costas e salvam a toda a hora. Ao menino e ao borracho põe-lhe Deus a mão por baixo.

Saltava nas poças, trepava às árvores, fazia distâncias entre margens e calculava voos que nunca podiam acontecer. Um dia caiu, desamparada, e ficou dormente. Não se conseguia levantar. Tentou e voltou a tentar. Não sentia as pernas, não sentia nada. Continuava no chão, no meio da estrada de terra onde ela pensava que consegui voar.

Em casa a inquietação era grande. Onde andaria aquela menina irrequieta e de cabeça sempre no ar? Caída num caminho onde ninguém passava começava a chorar. Não por dores, que não as sentia, mas por fome e frio. A noite aproximava-se, lentamente, com o seu escuro misterioso. Os barulhos, estranhos e ameaçadores, ecoam na sua cabeça. E agora?

A preocupação aumentava e os pais e os vizinhos, todos juntos como se fossem um só, partiram à sua procura. Chamavam, chamavam e nada ouviam. Alguém com ouvido muito apurado dizia que ouvia uma voz ao longe. Continuaram à procura e viram-na em profundo sofrimento. Tinha caído de uma árvore e não se conseguia mexer.

Levam-na em braços até ao médico. Diagnóstico complicado. Não vai voltar a andar. Choros, muitas lágrimas de dor, mas sobretudo de raiva e de desilusão. Sonhos que se desfazem, mas que persistem e tendem a reactivar-se. Quero ser bailarina. Nos seus sonhos rodopiava e chegava mesmo a voar. Nos sonhos tudo é possível e não existem impedimentos.

Começa a recuperação. A força e a determinação começam a dar resultados. Ela sabe que as pernas ficaram teimosas e que precisam de ser aliciadas para se moverem. Fala com elas, zanga-se e agita-se. Fica revoltada. Aquilo não pode estar a acontecer com ela. Quer ser bailarina, rodopiar e chegar ao céu todos os dias. Chora, arranha-se e adormece.

No sonho, as pernas estão soltas, fazem o que entendem, dançam, criam coreografias únicas e fascinantes. Ela está feliz. Todos a aplaudem e atinge a fama, sem se dar conta. Levam-na em braços, carregadas de flores. O público torna-se ensurdecedor, mas soa-lhe a música. Chegou onde queria. Está feliz!

Ao longe uma melodia especial desperta-lhe a atenção. É-lhe familiar. Ouve-a com atenção. Sim, já sabe o que é! O despertador. Acorda. Olha à volta. Está no quarto. Sente o cheiro. Senta-se na cama. Que sensação maravilhosa. Volta a espreguiçar-se. Tudo normal. Levanta-se. Espanto. Foi um sonho mau, um pesadelo. Respira fundo. Novo dia pela frente. Vou dançar!

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