Quando os Gregos governavam o Afeganistão

Decidi titular este artigo de “O esquecido Reino Greco-Bactrio” pelo facto de termos falta de registos escritos e poucos vestígios arqueológicos sobre este Estado esquecido da história do Ocidente.

A campanha que levou à conquista do Império Persa por parte do rei da Macedónia, Alexandre O Grande, é provavelmente um dos grandes feitos militares da História. Na altura da sua morte em 323 A.C., Alexandre conquistara grande parte do mundo conhecido pela civilização da Grécia Clássica – à qual o reino da Macedónia pertencia -, chegando até ao subcontinente indiano. O império de Alexandre no entanto não sobreviveria à sua morte e as lutas rivais entre os seus generais – os diadochi – levariam à sua desintegração em vários estados sucessórios.

No entanto, este período levou à colonização das várias regiões do efémero império de Alexandre por parte de milhares de colonos vindos da Grécia, permitindo à língua e cultura gregas se instalarem e se misturarem com a população, língua e cultura locais. Uma das principais regiões colonizadas foi a Bactria (região que integrava grande parte de território actualmente pertencente à nação do Afeganistão), reconhecida pelas suas numerosas cidades e uma agricultura dependente de um complexo sistema de irrigação existente numa região extremamente árida e montanhosa. A importância da região para os invasores confirmara-se com o casamento de Alexandre com uma nobre da Bactria, Roxana.

Por volta do ano 250 a.C., no contexto de conflitos entre os estados sucessórios do Império Macedónio – o Império Selêucida e o Egipto Ptolomaico -, o general e governador da Bactria, Diódoto, separa-se dos seleucidas e forma o reino independente que seria o Reino Greco-Bactrio (c. de 250 a.C. até c. de 130 a.C.). Após um breve conflito, o Império Selêucida foi forçado a reconhecer a independência do novo reino. Durante a sua existência, este reino demonstrou uma grande fusão cultural, devido à sua posição estratégica como um “portão” entre a Civilização Ocidental e os confins do mundo conhecido pelos Gregos Antigos. Além da influência religiosa importada da Grécia e fomentada pelas elites helenizadas, o reino era pluri-religioso, com – além do politeísmo grego e da adoração de divindades locais- a presença de seguidores do politeísmo hindu e seguidores da recente fé budista, que surgira apenas poucos séculos antes. Devemos mencionar que as práticas religiosas relacionadas com o politeísmo grego eram limitadas às elites, visto não existirem quaisquer vestígios arqueológicos de templos dedicados aos deuses do panteão grego neste reino.

Exemplo de mistura de civilizações separadas por milhares de Km em contacto – Buda protegido por um Vajrapani (guardião angelical da mitologia budista), esculturalmente representado em estilo grego

O rei greco-bactrio Demétrio I (r. 200 a.C – 180 a.C), aproveitando a desagregação do Império Máuria – uma dinastia que chegou a governar grande parte da Índia -, lançou expedições para conquistar território pertencente a este império em decadência. Estas expedições resultariam na formação de um novo reino – o Reino Indo-Grego -, cujo território integrava regiões pertencentes às actuais nações do Paquistão e da Índia. No entanto, este e o Reino Greco-Bactrio acabariam por se separar por razões que ainda são desconhecidas para a história. Um destes reis Indo-Gregos, o rei Menandro I, se tornaria uma personagem principal em textos sagrados budistas.

O Reino Greco-Bactrio eventualmente cairia, por volta de 130 a.C., perante as invasões de povos nómadas – os Yuezhi – provenientes da Ásia Central. No entanto, vestígios numismáticos demonstram que o Reino Indo-Grego permaneceu independente durante mais de 1 século, sendo que um monarca de nome grego – Strato III, o último de que temos registo – reinaria entre 25 a.C. e 10 d.C no Noroeste da actual Índia.

A existência Reino Greco-Bactrio é um testemunho histórico de que o mundo globalizado de hoje tem antecedentes muito anteriores à Era do Descobrimentos.

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