Há filmes que não servem para descontrair, mas sim o seu oposto, para pensar. Este é exactamente para isso, para meditar sobre a condição humana e sobre a nossa vida neste lugar a que chamamos de casa. Um filme que tem tanto de duro e de belo em quantidades repartidas e certas. Um filme que exemplifica o quanto somos peças num simples tabuleiro.
Todos têm os seus papéis e sentem pressão para que sejam cumpridos. Não há como enganar. Homens e mulheres são todos joguetes de uma sociedade que teima em evoluir. Alguns ficam parados no tempo, ligados a tradições e hábitos que são verdadeiros carrascos A juventude e a frescura são como que uma maldição e convém ser quebrada desde logo, para não criar maus hábitos.
Esta bela peça cinematográfica pode ser considerada uma imagem de “As virgens suicidas”, mas, mais recente, de uma nova geração. Estas cinco irmãs estão encurraladas numa família que as força a seguir rituais ancestrais e não as respeitam enquanto seres humanos. Não porque não o queiram fazer, mas porque não sabem. Estão limitados a normas rígidas que cumprem sem o menor pestanejar.
No final do ano escolar, a mais nova, despede-se da professora com uma dor tremenda que a irá acompanhar durante muito tempo. Sem pais, o amor é um bem escasso e raro. Foi sua educadora e mentora e terá um papel de destaque na trama. As brincadeiras que têm levam-nas a serem apelidadas de galdérias e acabam por ficar encerradas na sua própria casa. O mote é que terão de ser puras para serem bem escolhidas para casar.
Como são órfãs, a educação está a cargo da avó e de um tio que, além de descompensados e castradores, são extremamente infelizes. É bem nítida a separação entre homens e mulheres, com o mesmo nível de tristeza e de aceitação. Nada podem fazer para alterar o que estava estipulado. Contudo ainda conseguem um cheiro de liberdade, se bem que breve, a muito custo,
A mais velha das irmãs, casa com o rapaz por quem se apaixonou e a seguinte é escolhida por alguém que ela nunca tinha visto. De olhos baixos, tendo como pano de fundo o chão, terá de aceitar o seu destino e cumprir a função. As mulheres terão de ser virgens e os homens o que quiserem. Século XXI. Zona rural. Turquia. Longe da capital. Longe do mundo e da vida.
A irmã do meio aceita casar, o que pareceu pouco natural, mas, mais tarde, começa a ter comportamentos muito estranhos, terminando em tragédia. O que podia ter sido evitado não foi e a dor ficará a pairar para sempre. A vida pode ser muito madrasta e assustadora. As meninas ficam encarceradas na sua casa. Umas grades que são físicas e psicológicas.
Restam duas e a mais nova engendra um plano para fugir. Quer ser livre e viver como entender. No dia do casamento da irmã, anterior a ela, consegue, por fim, os seus intentos e as duas, com uma pequena ajuda masculina, chegam a Istambul, onde mora a professora. Finalmente conseguem a carta de alforria e são livres.
Aconselho que o vejam com o espírito aberto, pois o relatado solta uma gigante revolta, com a brutalidade e a violência psicológica que é exercida sobre as meninas. Não podem ser ninguém a não ser escolhidas por alguém. Não são seres, mas sim bens comercializados para continuidade da espécie. Uma postura que não se altera em momento algum.
Retrato da Turquia do nosso século, um país que tem tantas assimetrias como belezas, um país que não respeita os direitos humanos básicos, um país que não sabe olhar para a frente e que desconhece o que é a evolução. Ou melhor, um país que está dividido entre o que é e o que quer ser.
Mustang, o cavalo belo, veloz e quase voador…