The Bad and the Beautiful (1952), ou o título português Cativos do Mal aborda a biografia de um fictício produtor de cinema de Hollywood. A partir de três episódios, o filme retoma as relações de Jonathan Shields (interpretado pela estrela Kirk Douglas) com o realizador Fred Amiel, a atriz Georgia Lorrison e com o argumentista James Lee Bartlow. Sob a técnica narrativa flashback, anteriormente utilizada nos filmes Citizen Kane (1941), Sunset Boulevard (1950) e All About Eve (1950), o espetador mergulha no universo de memórias de Shields, colocando de lado qualquer imediata apreciação crítica, sobre o seu protagonista.
Ainda que seja totalmente imoral e tenha características que o permitiriam encarar como o vilão, é até extremamente empático, possibilitando uma identificação com o público. Com enorme liberdade e orçamento, Minnelli tornaria Cativos do Mal um filme-chave da temática movies-on-movies e claro um dos melhores de sempre.
Neste filme é explorada a dimensão mitológica que envolvia todo o sistema industrial de Hollywood. Na verdade, desde muito cedo, o cinema dessa cidade esteve preocupado em criar fórmulas, que diferenciassem uns filmes em relação a outros. São assim evidentes as diferenças entre três grandes géneros, os filmes de série ‘A’ e ‘B’ e a superprodução – baseada essencialmente nos custos definidos pelos respetivos estúdios. De facto, a carreira do protagonista é marcada por estas três fórmulas. Primeiro começa a produzir filmes de série ‘B’ como The Doom of the Cat Men – referência, aos filmes Cat People (1942) e Curse of the Cat People (1944) produzidos por Val Lewton. Até ter em mãos uma superprodução, The Faraway Mountain e, por fim, realizar fiascos.
Shields, no presente fílmico, é alguém em busca de perdão, uma espécie de figura protetora para Georgia (Lana Turner), Fred (Barry Sullivan) e Bartlow (Dick Powell). Nos três a indústria cinematográfica é vista como a ‘casa’, aquele ambiente de interação entre os diferentes elementos da equipa técnica, muito difícil de se desvincular.
Quando olhamos para Jonathan Shields percebemos de imediato como o magnata David O. Selznick é espelhado no seu caráter. O produtor de Gone with the Wind (1939) era o presidente de uma empresa independente, e também devia a paixão pelo cinema ao seu pai, Lewis J. Selznick – semelhante à imagem do pai de Jonathan, Hugo Shields. O espetador percebe como Hugo Shields foi realmente o pioneiro que levou o espetáculo a milhões de pessoas, que viveu na multidão e para a multidão e o seu funeral não poderia estar vazio. Daí que essa cena acarrete consigo excessividade melodramática, porque aqueles que tanto o odiaram são pagos para estarem presentes. A parte final deste diálogo estabelece um paralelismo à imagem dos créditos. Nela está em foco o emblema da Shields Productions, um soldado medieval, acompanhado pela divisa francesa “NOM SANS DROIT”. Expressão que significa “Não Sem Direito”, é imagem do brasão de armas da família de William Shakespeare. A espada remete para a caneta das obras do dramaturgo, enquanto que neste filme remeterá para tudo aquilo que Jonathan Shields alcançaria com trabalho e dedicação. Noutras aproximações, diríamos que Georgia Lorrison, filha de outro pioneiro da indústria cinematográfica, é semelhante à também atriz Diana Barrymore. Dependente de álcool, esta é semelhante à imagem do seu pai, John Barrymore, um George Lorrison, que não aparece em cena. As restantes personagens são protótipos de algumas personalidades do cinema da época.
The Bad and the Beautiful insere-no no melodrama, porque não se preocupa em distinguir o bem do mal, mas sim salientar que em Hollywood haverão sempre um conjunto de obstáculos. Por isso, mostra como essa cidade mítica é capaz de fabricar mitos sobre si mesma, ou seja, mesmo que ‘desmistifique’ a imagem de Jonathan Shields, continuará a mistificá-lo enquanto herói desta trama, de ser humano que realmente é (com todas as suas falhas, virtudes e defeitos que isso implica). De outra forma, os meios de comunicação estão presentes e o telefonema final em espécie de “falo ou não falo” demonstra como Shields é o homem que todos adoram odiar e que paradoxalmente lançou as carreiras de Georgia, Bartlow e Fred, mesmo que os tenha deixado ficar mal.
Um marco do melodrama, que exemplifica bem as mudanças na estrutura narrativa e laboral da cidade mais mediática da sétima arte, cujo poder ainda se mantêm nos dias que corre.
Ficha técnica
Ano de Estreia: 1952/ Título português: Cativos do Mal/ Título original: The Bad and the Beautiful/ Realizador: Vincente Minnelli / Argumento: Charles Schnee/ Elenco: Lana Turner, Kirk Douglas, Walter Pidgeon, Dick Powell, Barry Sullivan, Gilbert Roland e Gloria Grahame/ Música: David Raksin/ Duração: 118 minutos