Mas o que é afinal criatividade? Se procurar no dicionário pelo significado de criatividade, irá encontrar a seguinte definição: “Capacidade de criar, de inventar”. Uma definição tão simples que nos leva a crer que a criatividade é uma capacidade inerente a todos os comuns mortais, mas será que a criatividade é, de facto, um privilégio de poucos?
O psicólogo norte-americano e investigador sobre a criatividade humana, Robert Weisberg, tem demonstrado em livros e artigos sobre o tema que a criatividade dos génios difere pouco daquela que os seres humanos empregam diariamente em tarefas comuns. Durante uma entrevista à revista brasileira ISTOÉ, Robert Weisberg afirmou que ser criativo “é produzir coisas novas o tempo todo, intensamente, em grande e pequena escala. Não importa se inventa um gravador digital ou prepara um prato, acrescentando-lhe ingredientes de uma forma inédita. O princípio é que se trata de algo novo e feito de forma intencional, não por acidente”. Usada intencionalmente, a criatividade pode resultar, por exemplo, na criação de uma empresa como a Loveblip, nascida no seio do Pólo das Indústrias Criativas da Universidade do Porto, que põe pessoas com interesses comuns a falarem umas com as outras, ou, então, levar à criação de um novo prato de bacalhau como fez o chef José Avillez.
Todavia, será que a criatividade usada por um génio criativo é igual à usada por uma pessoa comum no seu dia-a-dia? Para Robert Weisberg é preciso desmistificar a ideia de “que apenas um tipo específico de pessoa é criativa e que ela usa processos mentais diferentes do restante dos seres humanos”. Acrescenta que “existe o mito que os génios usam processos inconscientes para criar as suas obras ou têm patologias mentais que contribuem para o processo criativo”. Admite, no entanto, que existem diferenças entre génios criadores, como Picasso, e os comuns mortais. “Um aspecto bem distinto dele [Picasso] foi a sua produtividade. Ele trabalhava o tempo todo e queria, propositadamente, criar coisas novas. Quase todos nós podemos aprender a desenhar. Não acho que essa habilidade seja o que o diferencia do restante, mas talvez o desejo de produzir algo novo, que afecte o mundo”. Não será a obra de Picasso e outros génios resultado directo de verdadeiros momentos de inspiração, nem sempre ao alcance de todos? De acordo com o próprio Picasso, “a inspiração existe, mas tem de se encontrar a trabalhar”, e, segundo os estudos realizados, “a principal conclusão é a de que os génios sobressaem, porque se comprometem de uma maneira muito mais intensa com o que querem alcançar. A vida, para os génios, resume-se ao trabalho. Mas todos podem ser génios”, afirma o psicólogo norte-americano.
Contudo, a questão permanece: É a criatividade uma capacidade inerente a alguns seres humanos ou a todos e possível de ser desenvolvida?
Actualmente, muitas correntes de pensamento defendem que a criatividade é uma capacidade inata a todos os seres e que pode e deve ser desenvolvida ao longo da vida. Robert Weisberg acredita que, quando os humanos se adaptam “constantemente a um mundo que muda de maneira vertiginosa”, estão a ser criativos. “Afinal, estamos a fazer algo que nunca fizemos antes. Isso mostra que a criatividade é inata e que todos podemos ser mais ou menos criativos. Por outro lado, também é possível desenvolver a criatividade estimulando a evolução de uma habilidade específica”, acrescenta. Olhe-se para o exemplo de Anna Haupt e Terese Alstin, duas designers industriais, que criaram o denominado “capacete invisível para ciclistas”. A vontade de criaram uma protecção para ciclistas, que mantivesse a “sensação de liberdade característica do ciclismo e não arruinasse o cabelo” e que não fizesse as pessoas sentirem-se “idiotas”, levou as duas designers a trabalharem sete anos no desenvolvimento deste produto. O pensamento criativo ao serviço do crescimento profissional resultou na criação de um novo produto que, hoje em dia, transformou-se numa empresa que emprega um total de 16 pessoas e que já ganhou vários prémios. Como referiu Michael Mumford, professor da Universidade de Oklahoma e autor de diversos artigos sobre criatividade, “parece que, durante a última década, chegámos ao consenso que criatividade envolve a criação de novos e úteis produtos”.
A este tópico, Joseph Benn, autor do livro Brilliant Business Ideas e do blogue Ideas Mapping, acrescenta ainda que o “pensamento criativo é meramente o acto de fazer novas ligações e olhar para as velhas ligações sob uma nova perspectiva. Se querem um exemplo do mundo real, olhem para o vosso telemóvel. Eu sou velho o suficiente para me lembrar do mundo sem telemóveis e, como tal, a ideia de uma câmara num telefone é algo que ainda me maravilha. Alguém uniu um telemóvel a uma câmara ou vice-versa e voilá”. Pensar criativamente é olhar para aquilo que nos rodeia diariamente sob uma diferente perspectiva até encontrar algo novo, seja um produto ou uma solução. É somar um mais um e encontrar um resultado original, imprevisível.
Como disse Szent-Gyorgyi, Prémio Nobel de Bioquímica, “criatividade consiste em ver o que todo o mundo vê e pensar o que ninguém ainda pensou”.
Como referido anteriormente, a criatividade é uma capacidade passível de ser desenvolvida ao longo da vida. Há, inclusive, vários livros e workshops que oferecem inúmeras e diferentes técnicas para ajudar a desenvolver a criatividade. Contudo, num artigo da Newsweek Magazine sobre Brainstorming, Michael Mumford refere que a maioria das técnicas usadas para estimular a criatividade não funcionam ou podem ter um impacto negativo. Quanto à vertente mais comercial do treino criativo, o professor da Universidade de Oklahoma não mede as palavras, afirmando que “é lixo”. Isto porque, tanto para adultos como crianças, estes programas de treino focam-se apenas em exercícios de imaginação, expressão de sentimentos e imagens, criando a noção que basta dar largas à imaginação.
Existem, em contrapartida, técnicas que realmente estimulam o processo criativo. Mark Runco, da Universidade da Georgia, opta por sugerir às pessoas que façam algo que apenas elas fariam, algo que nem a família, nem os amigos fariam, como por exemplo entrar em contacto com outras culturas. De acordo com cinco experiências realizadas pelo Northwestern Adam Galinsky, quem viveu no estrangeiro tem um melhor desempenho em tarefas criativas e, em certas situações, o estudo de diferentes culturas pode melhorar substancialmente o pensamento criativo. Teoricamente, acredita-se que o contacto com outras culturas estimula a capacidade de adaptação e flexibilidade das pessoas. Já Rena Subotnik, investigadora da American Phychological Association, acrescenta ainda que existem benefícios ao estímulo da criatividade, uma vez, a título de exemplo, que as crianças “que se identificam profundamente com uma área de interesse têm melhor disciplina e lidam melhor com contratempos”.
A par das técnicas usadas para desenvolver a criatividade está o ambiente que nos rodeia, que pode afectar positiva ou negativamente o pensamento criativo. A reconhecida investigadora brasileira na área da Psicologia e Professora Emérita, Eunice Soriano de Alencar lembra que:
É preciso que imunizemos contra as patologias que minam a nossa energia criativa, como o comodismo, a apatia, o medo do fracasso, o medo do ridículo. É também preciso que as sementes da criatividade, que estão presentes em cada um, sejam permanentemente regadas e cultivadas, através de um ambiente de trabalho rico em estímulos e desafios, onde haja reconhecimento do potencial e competência de cada indivíduo e onde as relações interpessoais sejam marcadas pela tolerância às divergências, harmonia, respeito e confiança mútua.