Aproximou-se da cabana com cuidado. Encostou a mão e apoiou-se. Contou as pedras – 1, 2, 3. Até 10. Quase escorregou, roçando os pés descalços na erva molhada de orvalho, viva e fresca. As pedras já não magoavam, mas às vezes ainda perdia o equilíbrio, naquelas mais pequenas. A lama à volta era assustadora, e tinha medo de cair. Imaginava sempre que eram areias movediças, mas a verdade era que nem sequer sabia se era muito funda ou não. Também não seria naquele dia que iria experimentar.
Olhou para trás, para as árvores, só para ter a certeza que estava sozinha. Viu as pequenas luzes no meio da relva, ao pé da cabana, das árvores, da lama – nunca soube se eram pequenos pirilampos preocupados com os seus afazeres ou se tinham sido pequenas estrelas que tinham caído do céu. Continuou a contar pedras. 11, 12, 13. Quando chegou à última, a número 21, acenou para o farol que estava no meio do rio e que iluminava o mundo à sua volta. Depois, abriu os braços e deixou-se mergulhar na água escura e profunda à sua frente.
O choque do gelo já não era como das primeiras vezes. Agora, quase que lhe sabia bem e que quebrava o padrão repetitivo da sua mente nervosa. Agora, só existiam ela e aquela água gelada, escura, que quase parecia um poço cheio de petróleo. Tocou com os dedos no fundo e abriu os olhos. Agarrou no barco a remos que a esperava quase enterrado na areia e subiu, batendo com força os pés, vendo de relance a trança do seu cabelo a flutuar, o seu vestido a levantar, a pele que parecia ainda mais escura, mais azul, como se ela fosse um espectro. Subiu e respirou fundo o ar selvagem, assim que tirou a cabeça da água e que viu a lua e as estrelas brilhantes no céu. O céu parecia cor-de-rosa ou violeta, mas era azul escuro quase preto.
O barco parecia olhá-la, já à superfície da água, pronto para a viagem. Desajeitadamente, subiu para dentro dele, aterrando de costas em cima dos remos. Sentou-se, dorida, e pegou nos remos. Devagar, o barco começou a andar e a proa pegou fogo. Tremeu de frio uns instantes, até começar a sentir o fogo nas costas a aquecer-lhe os ossos e a secar-lhe a trança e o vestido. Continuou a remar, para longe do farol, até ouvir uma cascata. Parou. O fogo extinguiu-se e ela sentou-se de frente para a proa, observando. Deixou o barco a navegar sozinho, à deriva, a seguir o curso natural do rio negro. Ali, a lua era do tamanho do mundo. Amarela, cheia, luminosa. Levantou-se devagar, para não se desequilibrar, e tocou na lua. O barco parou, estático, mesmo no limite da cascata. Como se estivesse na areia, parado, preso. Ela voltou a sentar-se e pousou os cotovelos nos joelhos, com as mãos a segurar a cara. Adorava ver a lua assim. Só se ouvia o som da sua respiração e a cascata agressiva, a água a cair para um infinito que ela não conhecia.
Ficou assim até o céu começar a ficar branco e laranja, e a lua desaparecer, transformar-se numa bolinha tão pequena que podia ser confundida com um berlinde. Começava a ter sono, e não podia ficar ali. Sentou-se, ainda a observar a lua quase invisível, e pegou nos remos. O barco virou-se, pronto para voltar para casa. Enquanto remava, observava com tristeza o fim do mundo. Enquanto remava, quase que sentia um peso no coração por se estar a afastar cada vez mais do fim do mundo.