É já um clichê dizer que vivemos em tempos interessantes. Normalmente, a frase surge como um corolário após uma enumeração de algo espantoso, para o bem ou para o mal, mas também de algo que aconteceu e era improvável. Quem questiona a legitimidade de um multimilionário interferir na vida política de países, num ato flagrante da ingerência do poder económico no poder político?
Hoje, quem se assusta com um Donald Trump proclamar aos quatro ventos que o Canadá deve integrar os EUA ou que os povos nativos da Gronelândia precisem de se libertar do jugo dinamarquês? O mesmo, se fosse pronunciado por Vladimir Putin, e já estaríamos na presença ambiciosa de um ditador que quer devorar o mundo.
Quem, hoje, se admirará com as encenações de teor fascista, em Itália, que nos recordam os anos 30 do século passado? Após a (re)emergência de grupos de extrema-direita, que se insurgem cada vez mais ousadamente, talvez por uma estratégia bem-sucedida ao ponto de camuflarem muito bem as suas intenções, que mais poderia surpreender?
Talvez nem um militar com tendências autoritárias se candidatar a um cargo civil e estar entre os favoritos para a vitória. Realmente, 50 anos após um período glorioso na História do nosso povo, temos na casa da democracia 50 reacionários que querem acabar com este regime que, apesar dos seus defeitos, é melhor do que o anterior.
Em tempos como estes, até a violência se banaliza. Nas escolas, a violência tem vindo a aumentar, nomeadamente, a violência corporal. Nos transportes, um inocente encosto rapidamente escala para uma troca acesa de insultos; no trânsito, rapidamente uma pessoa sai do carro para discutir com outro condutor que teve o infortúnio de não ter realizado corretamente uma manobra.
Estamos a ficar mais violentos desde que a pandemia terminou? O que aconteceu com a empatia que tanto caracterizou o período de confinamento? O ritmo a que nos impele o capitalismo, onde até para dormir temos o tempo contado, tem contribuído para enfraquecer a empatia com o outro, ao mesmo tempo que se manifesta numa conflitualidade latente pronta a despontar à mínima oportunidade. E não seria de esperar algo diferente.
Uma das caraterísticas do capitalismo é a violência. No plano internacional, a competição por mercados conduz a guerras, e no plano individual a competição é instilada desde o período escolar. Não me refiro à competição por melhores notas por parte dos alunos, mas ao resultado prático de um sistema de ensino que está vocacionado para produzir mão de obra dócil e produtiva, alimentando um sistema já de si viciado.
A educação, que devia formar cidadãos conscientes e críticos, tem sido usada instrumentalmente para criar trabalhadores submissos. Contudo, a violência na comunidade escolar é reflexo de um problema que ultrapassa os muros das escolas. Quando uma sociedade prioriza a produtividade acima da dignidade e a competição em vez da solidariedade, cria-se um ambiente propício ao desrespeito e à desumanização. Num sistema onde alguém é julgado pela sua capacidade de produzir bens ou serviços, omitindo a sua individualidade, não se criam pessoas, mas autómatos prontos a serem usados e descartados quando desnecessários, tal como uma qualquer ferramenta.
Enquanto sociedade é imperativo que pensemos as nossas prioridades. Queremos manter um sistema social que produz desigualdade, frustração e violência, ou instabilidade internacional? Será que faz sentido manter uma escola voltada apenas para a criação de futuros trabalhadores sem ter em conta o desenvolvimento e realização individual?
Se queremos reverter a crescente banalização da violência e uma sociedade decadente, então, comecemos por alterar o sistema educativo, dotando-o de um novo objetivo: preparar os futuros eleitores e atores sociais para a vida em comunidade, onde o respeito pelo outro e o pensamento crítico sejam assuntos centrais. Para isso, temos de ter a coragem de contrariar a lógica produtivista e voltarmos, finalmente, para quem tudo produz: o indivíduo, com todas as suas potencialidades de desenvolvimento e criatividade. E isto só é possível com um sistema educativo focado no que e em quem realmente importa.