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Uma leitura sensorial: “Já foste uma flor?” por Shaw Harris

Aposto que nem sempre olha para os livros infantis com a devida atenção. A obra Já olhaste para uma flor? chegou-me às mãos por meio de um destaque de coleção na Fábrica das Palavras, em Vila Franca de Xira.

O que podemos descobrir

Na capa, encontramos um caleidoscópio de formas e cores muito diferentes do registo disperso e demasiado saturado da atual literatura infantojuvenil.

Consigo fazer uma leitura ávida, quando a capa e o título me despertam a curiosidade. A página inicial consiste numa ondulação de cores, expressão de um acolhimento sensorial que me desequilibra de imediato. Evoco o calor dos ninhos secretos e risos da minha infância. As lágrimas assomam-me aos olhos.

Um mundo cinzento torna-se visível por contraste com uma figura pequena que se evade, a passo de corrida, de um prédio. Há um automóvel que transporta essa figura e a companhia de quatro patas sobre quilómetros a fio assentes no alcatrão das rotinas.

Não vislumbro a solução fácil da narrativa baseada no percurso de uma personagem heroica. Apercebo-me, aliás, do quanto desconheço acerca dos caminhos que seleciono; como observo o mundo sem olhar mesmo para o que me espera.

A viagem sobre estradas despojadas desemboca numa vibração de cores, um campo dotado de exuberância sinestésica.

A figura aproxima-se das flores, observada por quem lê e por quem a acompanha. Como será ver uma flor com o nariz? Saberei respirar fundo o suficiente para apreender algo através do olfato?

Saberei encontrar o eco das minhas ilusões e manias na presença de uma flor? Conseguirei escutar uma flor?

Quem vive na flor sabe quem sou?

Será que isso importa?

O toque traz-me de volta à arte de estar, mas existe uma diferença entre tocar e sentir. Ao tocar os veios e as pétalas, escuto a flor. Ao sentir esses veios e pétalas, ouço o meu ser. O movimento e o silêncio unem as duas facetas do mistério presente nesta história sem fórmulas.

Mergulho num tom indefinível de cor entre o vermelho e o laranja. Alguma coisa rompe o cinzento e começa a brotar em mim. As lágrimas correm-me livremente pelo rosto. Perdoo tudo o que, um dia, me cerceou e atacou.

Há outros convites dentro deste livro. Respiro pela barriga como se fosse o meu caule. Torna-se fácil descobrir como a água acalenta as raízes do meu ser.

Hoje, ficarei por aqui. As memórias de tempos felizes e menos felizes permanecerão em segundo plano, enquanto uma parte de mim cresce em direção à luz, sob um estímulo sensorial irreversível.

Afinal, talvez possa aprender a ser uma flor.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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