Um Bloqueio Alemão

Desde o início do século XVIII, a manutenção da supremacia naval britânica se mantinha com bloqueios comerciais, que serviam como um elemento coercivo vital na política inglesa. Esta supremacia comercial ainda se encontrava bem viva, quando a Primeira Grande Guerra iniciou em Agosto de 1914, tendo sido utilizada quase de imediato para impedir que a Alemanha e os seus aliados conseguissem ter fornecimentos de matérias-primas e de comida, com muita frequência. Um acto que deu início ao “bloqueio da fome”, uma guerra de paciência, que durou até a Alemanha assinar o Tratado de Versalhes, em Junho de 1919.

Armados com listas dos artigos a serem contrabandeados, os barcos navais britânicos passaram grande parte da guerra a patrulhar os mares do norte, interceptando e detendo milhares de barcos mercantes, que pensavam conter produtos para vender ao inimigo. Esta demonstração agressiva de poder marítimo gerou um considerável mal-estar em países que se mantiveram afastados das hostilidades da guerra, preferindo manter-se imparciais e mantendo boas relações comerciais com a Alemanha.

Esta tensão aumentou, depois dos mares do norte terem sido declarados uma área militar do Reino Unido a 3 de Novembro de 1914. Apesar das queixas sobre a violação das leis internacionais, a maioria dos barcos mercantes dos países neutros concordou em passar pelos portos britânicos para serem inspecionados e, subsequentemente, serem escoltados pelas águas minadas até aos seus destinos finais. Desta forma, a estratégia de bloqueio foi muito eficiente. Aliás, segundo um memorando do Gabinete de Guerra britânico, enviado a 1 de Janeiro de 1917, poucos eram os suplementos que conseguiam chegar à Alemanha, ou aos seus aliados, já que tanto os mares do norte, como as restantes áreas portuárias encontravam-se controladas pelos Aliados.

A Guerra dos Submarinos

A Alemanha tentou contornar os efeitos devastadores que os bloqueios comerciais lhes estavam a causar, com uma nova arma que parecia ser capaz de subverter a superioridade naval britânica: o submarino. Durante grande parte da guerra, os submarinos alemães só eram usados esporadicamente contra barcos de países aliados, ou contra barcos de países neutros na guerra. O seu impacto era devastador, tal como foi possível ver, por exemplo, na forma como afundaram o Lusitânia, em Maio de 1915.

A partir de 1 de Fevereiro de 1917, contudo, o comando naval alemão decidiu adoptar uma política de guerra submarina sem limites. Mesmo tendo alcançado um sucesso inicial, esta estratégia de grande risco acabou por não resultar, já que conseguiu com que os Estados Unidos da América, finalmente, decidissem entrar na guerra contra os poderes centrais da Europa e os piores efeitos que alcançava são contrabalançados com a criação de um sistema de escolta muito eficaz. O bloqueio conseguiu, portanto, manter-se firme.

O Bloqueio da Fome

Terá o bloqueio alemão levado a sua derrota em 1918? Tem sido argumentado recentemente que esta ideia, uma suposição muito comum da historiografia sobre a Primeira Guerra Mundial, é um erro. Para a nova visão sobre esta estratégia de guerra, os alemães, de facto, sentiam alguma fome à hora das refeições, mas nunca ficavam esfomeados, já que o sistema de racionalização de alimentos, na Alemanha, era tão eficiente, quanto os bloqueios britânicos e franceses. Para além disso, a derrota alemã ocorreu na Frente Ocidental e não graças ao descontentamento da população no país.

Alimentos que normalmente estavam presentes nas mesas alemãs, como cereais, batatas, carne e produtos lácteos, tornaram-se tão escassos, quando o Inverno de 1916 chegou, que muitas pessoas subsistiam com uma dieta baseada em produtos substitutos, que iam desde o chamado “Pão de guerra” a leite em pó. A falta de produtos alimentares levou a que houvessem muitos roubos e motins relacionados com comida, não só na Alemanha, como também em Viena e em Budapeste, onde as privações por causa da guerra eram igualmente sentidas.

O governo alemão fez tremendos esforços para tentar aliviar os piores efeitos dos bloqueios mercantis. O Programa Hindenburg, criado em Dezembro de 1916, foi desenhado para aumentar a produção de alimentos, ao realizar recrutamentos compulsivos de trabalhadores entre os 17 e os 60 anos. Um complexo sistema de racionalização, introduzido pela primeira vez em Janeiro de 1915, foi também implementado, de forma a assegurar que, pelo menos, os mínimos nutricionais da população estavam assegurados. Nas grandes cidades, “guerras entre cozinhas” providenciavam refeições baratas em massa para os cidadãos mais pobres que ali viviam.

Fome e Doenças

Os esquemas planeados pelos governantes alemães, contudo, só alcançaram o sucesso momentaneamente. Em média, a dieta diária de 1000 calorias era insuficiente até para as crianças pequenas. Problemas relacionados com a má nutrição, como o escorbuto, a tuberculose e a disenteria, eram comuns em 1917. As estatísticas oficiais atribuíram 763 000 mortos, na Alemanha, à fome que se viveu, durante a Primeira Grande Guerra, e causada pelos bloqueios marítimos dos Aliados. Estes números não incluem os 150 000 alemães que faleceram vítimas de uma pandemia de gripe, que rapidamente atacou aqueles que se encontravam mais debilitados nutricionalmente.

Apesar dos bloqueios comerciais terem sido um contributo muito importante para a vitória dos Aliados, a verdade é que os vários efeitos devastadores associados a esta estratégia deixaram uma terrível cicatriz muito profunda na sociedade alemã do pós-guerra.

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