Todos temos uma forma peculiar de lidar com o tédio. Viver, todos os dias e no mesmo lugar, a mesma vida de sempre (passe a redundância) é deveras lixado. Uns buscam escape a essa omnipotente condição humana aprendendo a falar chinês (como se lá no outro lado do mundo se falasse uma só língua assim designada), viajando a África (como se todo o continente fosse uma única aldeia onde as pessoas passam a vida entre a doença, a guerra e a fome, coabitando com leões ao fundo do quintal) ou indo ao ginásio para não engordar (como se a prática do exercício físico só se limitasse à excentricidades estéticas do século XXI). Alyssa e James, os protagonistas de uma das mais provocativas séries originais da Netflix que até agora pude ver (abri a conta só em 2016), são ainda menores de 18 anos e começam a carreira anti-tédio já a matar um… ser humano.
James é um precoce projecto de sociopata com intervalos intermitentes de serial killer, apenas porque ainda com meia dúzia de anos de vida viu a sua mãe suicidar-se mesmo ao seu lado. Alyssa é uma mistura explosiva de “extermínio aos normais”, “foda-me, James” e “por que raios nasci mulher?”… O resto é um espectáculo soberbo de indie pop e rock com estrondosas linhas de baixo (a banda sonora desta primeira temporada fez-me várias vezes ir ao YouTube e usar o conversor para mp3 para ouvir mais tarde).
Ah, há também um baile de fotografia vintage! São uns 20 e tal minutos (algumas vezes menos) por cada um dos 8 episódios da série, onde, por diversas vezes, dei por mim a fazer pause-replay-pause das cenas… Sempre tenho este defeito bizarro de fazer brainstorming da minha própria vida, quando me deparo com ataques múltiplos de terrorismo existencial numa só cena. Bom, confesso que, por vezes, também me distraí um pouco durante o desenrolar de um ou de outro capítulo ao pensar que tinha de ir pôr a roupa a lavar. Ou para ir ao Instagram espreitar a resposta do convite à B. para o Burger King… Também tenho os meus momentos de tédio e diversas formas de o matar.
Há no texto, invariavelmente, diálogos amarelos. Outros poderosíssimos. Por agora, vem-me à mente quando Leslie (o pai surreal da Alyssa) diz qualquer coisa como “num mundo completamente fodido como o actual, o único acto de sanidade que nos resta é o de sermos doidos”. LOL. Lançada em 2017, a Netflix já ordenou a segunda temporada para… ontem.