Certa tarde, ao chegar a casa, notei com tristeza que uma árvore de muitos anos que sempre estivera em frente às janelas do meu prédio, tinha sido cortada. Por razões de segurança, disseram. Compreendi.
No lugar da árvore ficara apenas o tronco, fantasma daquela que vaidosa esticava os ramos céu acima. Restou apenas o silêncio de algo que parecia indestrutível mas que afinal era muito mais frágil do que imaginara.
Conto-vos sobre esta árvore, porque a natureza explica-nos em larga escala os acontecimentos da vida e se tornam exemplos para tudo o que nos acontece. Dela se retiram lições e aprendizagem, verdadeiros mestrados sobre como lidar com o estado das coisas.
Cresci, em parte pela minha educação, noutra parte pela teimosia irredutível de ser, a tomar a vida pelas rédeas e a não desistir de coisa alguma até se esgotar toda e qualquer possibilidade de concretização. É uma característica jeitosa, que me permitiu levar a bom porto muitas coisas e vencer tantas outras.
No entanto, tudo tem o limite. É que às vezes também insistia mesmo quando o caminho se tornava demasiado amargo. Mesmo quando tudo indicava que devia soltar, largar, desistir. Paguei, muitas vezes caro, esta minha tenacidade e teimosia. Tal como eu, conheço muitas pessoas assim.
Perder, na nossa sociedade, é sinónimo de fraqueza. É indicador de valer menos. E ninguém quer lidar com a sensação de frustração, de não se ter chegado ao lugar que se queria quando muitas vezes se lutou tanto sem ver finais.
Tal como a árvore que foi cortada, há qualquer coisa que brutalmente fica inacabada, sem direito a permanecer, a ser. Desistimos porque não temos alternativa senão baixar os braços. Tudo foi experimentado. O caminho foi-nos vedado.
Viver requer uma certa arte de perceber os sinais de que o caminho não é por ali. Vencer é também saber perder. Quando nos questionamos demasiado, quando o esforço é muito maior que a alegria da jornada, definitivamente estamos a subornar-nos. A não permitir que algo muito maior possa surgir.
Temos de nos permitir caminhar com a sensação de que perdemos, com tudo a escorrer-nos por entre os dedos. Entregar. Na entrega está a sabedoria que confiamos em como tudo está certo e que novos lugares surgem de lugares já gastos e infrutíferos.
Na realidade só vemos uma imagem muito pequenina de um todo que não nos é revelado ou percebido a não ser mais lá à frente. Ao deixarmos-nos vazios por um tempo é quase certo garantia que seremos mais completos em algum ponto sem o que nos parecia impossível de não ter. Ou conseguir. Ou vencer…
O tronco da árvore ainda lá está. Mas agora já não permanece vazia. No tronco que lhe restou começou a nascer folhagem, em desafio ao caminho que lhe foi cortado abruptamente. Todos os dias, ao chegar a casa, não os vejo mas consigo imaginar os ramos abertos e felizes a abraçarem o infinito.