Tareja de Portucale

Teresa de Leão ou Tareja, filha bastarda e predilecta de Afonso VI de Leão e Castela, foi uma mulher com um papel preponderante na História da Península Ibérica. Quando ao seu nascimento sabe-se que foi em 1080 e que viveu a maior parte da sua infância na zona natal de sua mãe, Ximena Nunes, no Bierzo, Galiza.

Era uma rapariga astuta a desembaraçada que se lançava nas armas sem receios de maior. Queria ser como o pai, uma guerreira que enfrentava tudo e todos. Tinha uma irmã, Elvira, que apresentava característica bem diferentes das suas. O avô teve uma influência muito forte na sua educação pois rodeava-as do afecto que o pai não lhes podia dar com a frequência desejada.

Na época, os nobres recebiam como pagamento das suas façanhas terras e os mais afortunados ainda podiam ser presentados com as mãos das filhas dos senhores, cujos casamentos engrandeciam ambos os lados. Foi este o caso. Tareja casa com Henrique de Borgonha, um nobre francês hábil nas armas e no pensamento. Como dote usufruem do Condado de Portucale, um território que se situava entres os rios Minho e Vouga e que em 1096 seria ampliado até ao Tejo.

D. Henrique era o quarto filho do duque de Borgonha, ou seja uma nobreza de primeira estirpe.O casamento foi celebrado em 1095 e passam a residir na corte leonesa mesmo que seja mencionado, nos documentos oficiais, que são senhores das terras portuguesas. Teresa tinha apenas treze anos aquando do acordo e Henrique vinte e quatro, mas esta diferença de idades era costume e em nada seria de estranhar.

Nos primeiros anos de casamento, nasceram três filhas: Urraca, Sancha e Teresa (Tareja) que faleceram prematuramente. Afonso Henriques nasce em 1109 e é um sobrevivente da nova linhagem. A causa que ele vai representar será o legado dos pais e os condes outorgam cartas de foral a quem os apoia, criando assim estreitos laços de vassalagem.

Em 1110, os documentos de chancelaria são assinados somente por Tareja já que Henrique se encontrava na guerra a combater. Em 1112, após a morte do seu marido, vê-se na circunstância de criar uma regência em nome do seu filho menor. Dizem que o poder corrompe e que cria hábitos menos saudáveis e ela sentia-se confortável na posição adquirida. Contudo, pouco teve de agradável pois teve que se defender dos ataques da meia-irmã Urraca, rainha de Castela e Leão que queria recuperar o Condado.

A Galiza era dominada pelo arcebispo Diego Gelmírez de Compostela e por Pedro Froilaz de Trava, rodeados de uma importante nobreza. D. Urraca, a rainha, fez alianças com todos os lados de modo a não perder a sua autoridade e prestígio. Os galegos queriam a reunificação dos reinos, posição que não era defendida pelos portucalenses.

Assim, duas mulheres fortes e determinadas, filhas do mesmo pai, com sangue guerreiro a correr nas veias, partilham o poder e os territórios com uma enorme desenvoltura que não se julgava possível no sexo feminino. Tareja continuava na captação de territórios, dando privilégios e conseguindo pessoas influentes para a sua causa.

O infante terá sido criado na casa da família Riba Douro, conforme o costume da época que tinha o nome de Amagio. Esta família seria responsável pela educação do menor que tinha como parceiros os filhos naturais do casal. Conta-se que tinham um filho da mesma idade e compleição física idêntica e que terá sido trocado pelo infante.

Tareja governava as suas terras em paz e inicia uma política de alianças para reforçar a sua posição. É neste contexto que se cruza com a família Trava, influentes e poderoso galegos. O precioso auxílio destes nobres em Coimbra contra os almorávidas, estreitou os laços militares que provaram vir a ser de enorme utilidade. A partir de Maio de 1117 passa a assinar os documentos com o título de rainha.

Urraca não aceita o título da irmã e nomeia Paio Mendes para arcebispo de Braga. Nesse mesmo ano o papa Calisto II eleva Compostela a arcebispado em detrimento de Braga, tornando-a de importância relativo. Foi este o contexto que levou à guerra entre as irmãs e a Tareja se refugiar no castelo de Lanhoso.

O exército de Tareja foi derrotado, mas a regente conseguiu negociar com a sua irmã a continuidade da sua posição, à frente do Condado de Portucale. Nesta conformidade foi assinado o Tratado de Lanhoso, local onde teria ficado cercada e sem recursos. Porém, esta situação foi o motor para a continuidade e assim virou-se para Fernão Peres, conde de Trava, um galego que tinha ideias expansionistas e posses suficientes para o fazer.

Entende-se agora a revolta dos nobres que a tinham sempre apoiado a sua luta bem como a do seu próprio filho, Afonso Henriques, que não conseguiu receber a regência quando atingiu a maioridade. Tareja colou-se ao poder e não fazia intenções de o largar dando lugar a uma guerra aberta com os seus familiares directos como a irmã e o seu filho.

Os portucalenses afastam-se de Tareja por discordarem da sua ligação aos Trava, muito provável pelo casamento com Bermudo Peres de Trava. Pensa-se que os galegos terão ganho a dianteira em relação aos antigos apoiantes, que perderam as suas vantagens quer materiais como simbólicas.

Urraca morre em 1126 e Tareja invade a fronteira da Galiza de modo violento. Força o seu sobrinho a reconhecer o seu estatuto real com o título de Regina Portugalinsium e assina um acordo de paz. Recusa-lhe vassalagem e, em 1127, dá-se o cerco de Guimarães que culmina com a vassalagem de Afonso Henriques.

A 24 de Julho de 1128 desenrola-se a Batalha de S. Mamede, onde Afonso Henriques sai vitorioso, retirando o poder a Tareja. Esta desiste da união entre a Galiza e o Condado e retira-se para Límia, com as suas duas filhas, Sancha e Teresa (Tareja) Fernandes, cujo pai era Fernão Peres. No entanto, existe uma outra versão que a torna prisioneira do seu filho.

A sequência dos acontecimentos não é muito clara. Há quem refira que foi feita refém da sua ambição e ficou prisioneira em Lanhoso; outros defendem que rumou à Galiza com Fernão Peres e aí teria falecido em 1130. A certeza reside no local dos seus restos mortais que acompanham os do seu marido Henrique e descansam na Sé de Braga.

As crónicas medievais. escritas por clérigos, eram verdadeiros relatos de horrores e faziam das mulheres seres horríveis e demoníacos. Não admira que assim fosse pois era mais que conhecida a raiva que estes homens nutriam pelo sexo oposto, origem de todo o pecado. Tareja era uma mulher sem medos nem receios,

Não era admissível que uma mulher pudesse roubar a virilidade do poder, que seria de cariz exclusivamente masculino. Nesta conformidade criou-se a ideia que esta mulher se colocou à frente do reino e do seu filho nos interesses próprios, o que não corresponde à verdade. Só assim se entende a fibra de que era feito Afonso Henriques, que nunca desistiu dos seus intentos e se soube rodear das pessoas mais válidas do reino.

Tareja terá sido o ventre de toda a energia que, com a sua inteligência e astúcia fez nascer um reino que, mais tarde, deu novos mundos ao mundo. O sangue poderoso veio duma ruiva galega que soube lutar pelas suas convicções e sagrou o seu filho como verdadeiro profeta.

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