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Sudão em Ferida: O Silêncio é de Ouro

Sudão: a tragédia é longa e, contudo, quase imperceptível porque longe da maior parte das agendas mediáticas. Contudo, o jogo joga-se. As peças no tabuleiro não estão paradas. É um jogo de nervos escondidos e muita pressão interna. Xadrez como ele é, no fundo.

E porque não se vê? Porque não parece de urgência tomar as rédeas neste conflito?

Ora, a invisibilidade parcial deve-se a uma amálgama de interesses de grandes potências. No contexto atual, pior. A invasão da Ucrânia não ajudou. Nem à visibilidade do conflito no Sudão porque absorve a atenção do mundo ocidental em termos do tema: guerra. Nem ao jogo de apoios a fornecer a cada um dos flancos neste diferendo no país. Que é antigo.

Desde o século VII, o país é incluído no mundo árabe contribuindo para a expansão do Islamismo. Assim permanece até ao século XIX quando é anexado pelo Egipto e passa, então, a fazer parte do Império Britânico até 1953. O Sudão conquista a sua independência e vive um breve período de paz nesta época. De pouca dura, algumas décadas depois destes pacíficos anos 50, guerras entre grupos islâmicos e forças não islâmicas levam à cisão do que chegou a ser o maior país do continente africano. Estabelece-se assim a República do Sudão e o Sudão do Sul em 2011.

E a escalada tem aumentado. Só na última década somam-se cerca de 5 milhões de refugiados. Só este ano até final de Agosto, a ACNUR registava mais de 5000 mortos. Uma autêntica crise humanitária. Surtos de sarampo, êxodo massivo de sudaneses para os países vizinhos. Tudo se tem passado debaixo dos nossos narizes.

O foco mais recente começou este ano a 15 de Abril. Existem dois blocos: as FAR (Forças de Apoio Rápido) lideradas por Hemedti. Trata-se de um grupo paramilitar com cerca de 100 mil homens alistados. E porque estalou o verniz se as FAR mantêm a sua independência face às forças armadas ligadas ao Estado? Porque as forças militares pretendiam, em Abril, instaurar uma reforma de segurança tornando as FAR como mais um “braço” do exército. Ora, na prática seria a perda da independência e Hemedti não aceitou. Forças militares ligadas ao presidente Abdel Fatah al-Burhan invadiram áreas controladas pelas FAR. Que retaliaram.

E como se movem estas forças em termos de apoios? Como coexiste uma força paramilitar poderosa que faz frente ao exército do país?

Coexistem sem grande alarido nem envolvimento militar internacional porque nesta partida de xadrez as peças jogam-se da seguinte forma; o Sudão é um país com grandes reservas de ouro. Quem tem direito de exploração das minas de ouro sudanesas é uma empresa russa de nome M-Invest em parceria com as FAR. A M-Invest tem ligações ao Grupo Wagner.

Se os EUA e a Europa apoiarem de forma vincada as forças militares sudanesas, estaria a criar-se um foco de guerra com a Rússia. Numa altura em que o esforço de armamento ocidental está concentrado na Ucrânia. E os meios são limitados.

Então, onde está a diplomacia internacional? Supranacional? Como se defendem os povos quando internamente se luta em fações que se alimentam da luta pura pelo poder?

Temos de apontar a total ineficácia de instituições internacionais de Organizações como a ONU que, muitas vezes, enfrentam obstáculos políticos que dificultam a aplicação efetiva das leis internacionais. A falta de unidade entre os Estados membros e o uso frequente do veto no Conselho de Segurança enfraquecem a capacidade de punir aqueles que violam essas leis. Porque as leis existem, sim.

O Artigo 3 da Convenção de Genebra estabelece normas de proteção a civis e combatentes em conflitos armados não internacionais. Proíbe ataques indiscriminados contra civis, o uso de armas proibidas.  Ou o Artigo 8 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional define os crimes de guerra, incluindo crimes contra a humanidade, genocídio e violações graves das leis e costumes de guerra. O Tribunal Penal Internacional (TPI) tem jurisdição para julgar indivíduos responsáveis por esses crimes, independentemente da sua nacionalidade ou do local onde o crime foi cometido. Também o Artigo 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Ele protege os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Essas leis são relevantes para o conflito no Sudão porque estabelecem normas e princípios que deveriam ser respeitados por todas as partes envolvidas. Podem ser utilizados para denunciar abusos e crimes cometidos por ambas as partes e para pressionar as partes a resolver o conflito de forma pacífica. Porém, essa possibilidade, na prática, não se materializa.

E porquê? Porque neste jogo de xadrez as peças são esculpidas em talha dourada. E o silêncio aqui, ironicamente tem sido de ouro.

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Comments 1
  1. Adorei acho uma belíssima pesquisa feita por alguém com o iterce especial pelas umanidades que tanta falta faz neste mundo.

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