Quem quer casar com a Carochinha que é rica e bonitinha?
Cantava ela, toda bela, à janela. Quem conhece o fim da história e, como eu, perdeu a lição principal, que é : por amor de Deus não te cases, não se mortifique. Afinal, éramos apenas crianças e desconhecíamos os sentidos ocultos nas histórias, entre dramas, agressividades, virgindades e afins. Ou mesmo as ideias subliminares nos desenhos animados, em que o Dartacão refere que a Julieta é a predilecta do seu coração… predilecta, não única?! Antes que pensem que estou a viver na Teoria da Conspiração, digo-vos que a realidade consegue ser bem mais complexa e dura do que os dramáticos da pedagogia preconizam.
À primeira todos caem, e um dia, salvo excepções muitas vezes voluntárias, outras circunstanciais, todos casamos. Ou nos juntamos, que para o caso é igual. Os dias vão correndo, entre a euforia dos primeiros tempos, o construir duma família, um projecto a dois, e a durabilidade variável do amor.
Até que o clima de lua de mel azeda. Ou é o amor que já não existe, ou feitios que não permitem o convívio integral e diário, ou são as crises financeiras, ou relacionamentos paralelos, ou simplesmente percebeu-se que se pode ser mais feliz, sozinho ou acompanhado. E nestas coisas, até que a vontade de ser feliz se sobreponha ao medo da mudança, e dependendo de factores vários, vamos tentando convencer-nos de que até somos felizes, e não vivemos nenhuma dessas dramáticas histórias dos jornais. Vamos vendo que o nosso marido até é bonito e até é meigo, quando quer. Que não nos falta nada em casa. Que os putos poderiam sofrer com a separação. Que os sogros e pais iriam criticar. Que vamos perder qualidade de vida porque o que ganhamos separadamente não nos permite ter a vida que temos. Que vamos ficar sozinhos porque os amigos estão todos casados. Que afinal há casos bem piores, e que no fundo somos uns ingratos porque não apreciamos a mesmice dos dias, ou somos fracos porque nos deprimimos com discussões diárias, ou nos deixamos abalar porque o nosso marido nos traiu com a feiosa da mercearia. Ou sabemos que não somos felizes, mas não somos totalmente infelizes, até se leva a inexistência minimizando o contacto com o ser que era amado mas agora é indiferente, na melhor das hipóteses, ou insuportável, na pior.
Até ao dia em que nos fartamos. E aquele ser que nos dizia tanto, agora nada diz. Literalmente. Não se fala, não se discute sequer. Ou então discute-se porque chove ou porque faz sol. E aí, começa-se a fazer contas, procurar casa, procurar alinhar a separação. Mais ou menos fácil. E então tudo pode acontecer. Há os que dividem os feijões em paz e irmãmente, que conjugalidade já não há, há os que discutem por pregos, há os que, após a porta aberta para a rua tem um ataque de saudade do que já não se lembra de ter vivido, e os que, forretas afectivos, são incapazes de ver o outro partir para a felicidade. Há os manipuladores, que se usam das suas misérias para prender o outro, porque está doente ou simplesmente porque não tolera que o outro viva sem si. Há as guerras jurídicas. E há os que ficam amigos de casa. E existem os equilibrados que sabem conviver se necessário, mas não fazem questão disso, até porque têm uma vida para viver e o passado já passou.
Alcança-se outro patamar, que é a opção entre estar sozinho ou arranjar desesperadamente alguém para colmatar a solidão, e mais que isso, da auto-estima. Há os que saboreiam o tempo que agora lhes surge por entre os dias, há quem sofra com isso. Há quem queira arranjar alguém antes do outro, ou mais rapidamente ainda se o outro já tem. E há os que se comprometem com a sua sanidade mental. Há os que sentem o alívio do fim do martírio, e os que sentem o fracasso, ainda que sem culpa unilateral.
Confesso que, no meu caso, eu sentia alguma pena, quando ouvia sinos a tocar, lamentando dos ingénuos que não sabiam o que os esperava. Quase, quase, como quando passa uma ambulância por nós e adivinhamos alguém em apuros. A questão é que um já está, o outro estará, mas não sabe ainda. Não me interpretem mal, eu até percebo que uma pessoa seja resiliente e, ao invés de ultrapassar a dureza dum mau casamento, siga adiante em casamentos consecutivos, cada vez mais entendido, espera-se, até à solução final e perfeita. Chego a admirar essa gente… ou são corajosos ou são ingénuos, mas não se ficam. Outros gostam tanto de recuperar o espaço, o tempo e os afazeres pessoais, que é inevitável, fica-se mais independente, é um rejuvenescimento.
E, então, um dia, alguém nos prende a atenção. E mais uma vez, até que a vontade de ser feliz supere o medo de gato escaldado, vai-se hesitando entre a rendição e a luta. Ao contrário dos prisioneiros que podem ter visitas conjugais para fugir à solidão da prisão, os amantes medrosos preferem ter visitas conjugais para interromper a alegria da liberdade, saboreando a união, mas devagar. Isto é tanto mais verdade quanto mais independente a pessoa é , não só financeiramente, mas sobretudo emocionalmente. É cada vez mais comum os namoros de adultos de fim de semana, mas cada um em sua casa de 2ª a 6ª . Contornam-se as logísticas familiares, os filhos e os exs, e vive-se para o romantismo pontual. E habitualmente são as mulheres, aquelas que se viram mais limitadas no casamento, e que recuperaram a liberdade, que resistem a uma união cabal e de tecto. E os homens, normalmente educados na ideia de que todas as mulheres querem casar, e normalmente a primeira até insistiu nisso, com sorte não antes dos 3 anos de namoro, ficam perdidos. Um dia o amor chega e então as lógicas perdem sentido.
O que querem afinal as mulheres?
Meus amigos, não sei, nem de mim sei. Ou corajosa ou inconsciente. Se um dia me decidir, partilho convosco.
Bem escrito. Há os que casam depois dos trinta e permanecem casados mais tempo do que os que casam jovens. Será maturidade emocional? Casei com 31 e estou há 31 casado. Crises? Várias, mas nada que uma conversa racional não resolva. Enfim, cada um com cada um.
Ciência difícil, essa a dos casamentos….