Nunca li as centenas de páginas que Donna Tartt criou a partir do quadro “O Pintassilgo”. Aliás, nunca li nenhum livro que por ela tivesse sido escrito. Mas, agora, sinto que conhecer a sua obra é não só um dever à riqueza cultural, como também uma homenagem à capacidade de criar uma boa história. O mais curioso é que a culpada por eu agora pensar assim é nada mais, nada menos do que a nossa cara Hollywood.
Há umas semanas, sentei-me na sala de cinema à espera de ver uma história passada na II Guerra Mundial. Não sei por que o pensei. Talvez tenha sido por causa das cores-terra da fotografia, encabeçada por Roger Deakins. Ou pelas imagens de sofrimento e sobrevivência, num argumento de Peter Straughan. A verdade é que não prestei a atenção devida ao trailer do novo filme realizado por John Crowley: “O Pintassilgo” mete bombas, destruição de arte, tristeza e muita desgraça, mas acontece ainda mais perto de nós, na Nova Iorque dos nossos dias.
O drama segue a vida do pré-adolescente Theodore Decker, desde o momento em que acorda entre corpos sem vida e fica para sempre ligado ao quadro “O Pintassilgo”. O desastre é o resultado de uma explosão no Met e muda para sempre – e tal como seria de esperar – a vida do pequeno Theo. Já a forma como essa vida muda não é, de todo, expectável.
Entre encontros inesperados, relações que atravessam os anos e sucessivas mudanças de planos, “O Pintassilgo” é um longo filme que não demora a prender-nos ao ecrã. A música, que inclui estratégica e sabiamente algumas canções dos Radiohead, reforça a ligação espectador-personagem. Quanto à contínua, mas lógica, mudança de direção do enredo, o seu objetivo é claramente brincar com as nossas emoções, sem compaixão.

Sentada na cadeira da sala de cinema, foram várias as vezes que exclamei para mim mesma que estava perante uma história muito bem escrita, como há muito não acontecia. Pelo menos, há muito que não acontecia com aquela complexidade cativante. Só depois percebi que o argumento era uma adaptação do romance vencedor do Pulitzer de Ficção 2014. E que eu, pelos vistos, ando distraída em relação a cultura contemporânea de valor.
Ironicamente, foi Hollywood – a mesma que acusamos de apostar em histórias de encher o olho e esvaziar o pensamento – que me levou até Tartt. Foi Hollywood que trouxe a mais pessoas uma reflexão envolvente sobre o valor que atribuímos aos objetos e a prisão que os pedestais podem representar. Afinal de contas, nem todas as histórias mais elaboradas têm que ficar nas mãos do cinema independente.

“O Pintassilgo” é um bom filme. Uma história que parte de literatura de primeira para cumprir os três propósitos de um verdadeiro serviço público: informar, educar, entreter. A má notícia é que esta boa história está a ser um fracasso de bilheteira. Andamos atrás do quê?