Tenho escrito repetidamente que o nosso maior inimigo somos nós mesmos. O adversário do nosso progresso está dentro de cada um de nós, mora na nossa atitude, vive no nosso pensamento. A tentação de culpar os outros em nada nos ajuda. Só avançamos se formos capazes de olhar para dentro e de encontrar em nós as causas dos nossos próprios desaires.
– Mia Couto, “E se Obama Fosse Africano?”
Para todos os “bons” tem de haver um “mau”. Qualquer história de princesas tem uma bruxa má, qualquer super-herói um arqui-inimigo. Seja o Joker com o Batman ou o Loki com o Thor… Há sempre um vilão para equilibrar a história e para enaltecer o poder do bem contra o mal.
Contudo, o que acontece quando nós somos a nossa própria kryptonite? Ou quando a bruxa má do Oeste resolve tomar um banho? Quando o nosso pior inimigo é o reflexo que vemos no espelho: somos nós?
Há tantas formas de sermos a tese e a antítese. De pensarmos no que queremos e fazermos o oposto, ainda que inconscientemente. Todos os dias somos confrontados com escolhas, decisões e resoluções e quantos de nós ficamos pela inércia daquilo que é o “mais fácil” e não aquilo que nos faria felizes. E isto aplica se nas mais variadas vertentes da nossa vida.
Por exemplo: vida saudável.
Um dia de manhã, acordamos subimos à amiga balança e olhamos horrorizados para os números no visor! “Preciso de fazer uma dieta! Há algum tempo que não me sinto no meu melhor! Amanhã começo!!” O problema é que o amanhã é já daqui a 24 horas e, até lá, comemos um hamburger do Macqualquercoisa ao almoço, porque amanhã começamos a dieta! Ao lanche não resistimos à bola de Berlim, porque temos saudades do verão, e amanhã começamos a dieta! Jantamos pizza trazida à nossa porta, porque estávamos com preguiça, e amanhã começamos a dieta. E eis que chega o amanhã e? “Amanhã começo… Se calhar o melhor é começar a correr ou a praticar outro exercício, ai mas este mês não… Talvez no próximo.”
Procrastinar! O nosso reflexo no espelho faz nos procrastinar e adiar aquilo que realmente queremos fazer, falta-nos o ânimo, a força de vontade.
Nas relações, o filme repete-se: rapariga conhece rapaz, rapaz conhece rapariga, riem, conversam, jantam, conversam e a coisa até está com ar de algo a dar certo, mas… Claro que há um mas, e quando, muitas vezes, a relação começa a assumir um carácter mais sério, quando o futuro se começa a desenhar, o tal reflexo no espelho encarrega se de apresentar A lista dos Ses, os Mas, as dúvidas e as inseguranças. Quantas relações acabam logo ali por falta de confiança, por falta de coragem, por não acreditarmos em nós?
Somos o nosso maior fã mas também o nosso maior crítico!
Imaginemos outra situação: finalmente aquela vaga de emprego naquela área que sempre sonharam surge. Boa, tem a capacidade técnica, o conhecimento e a paixão. Inscreve-se, envia o CV e é agendada uma entrevista: confiança 100%.
No dia da entrevista, ao chegar, descobre que são 5 candidatas, mas é a primeira a chegar. “Se calhar vim cedo demais, será que pareço desesperada?” Confiança: 98%
Chega mais uma candidata: “Uau que gira, será que tem as competências necessárias para o lugar? Oh claro que sim, e é bem mais gira que eu!” Confiança: 50%.
As outras candidatas vão chegando, a confiança continua a diminuir e dominar a mente e, quando finalmente chega à sua vez, entra para a entrevista com um nível de confiança aí de 20%…
O entrevistador cordialmente avança: “Bom dia, então diga nos porque é a pessoa ideal para este cargo?” Na sua mente, ecoam todas as razões mais uma, razões que fazem dela A pessoa ideal para o lugar, mas, o que sai é um “não tenho a certeza” e uma cabeça baixa.
E pronto a candidata número 4, giríssima, emproada, mas com o currículo bem mais fraco e pela sua autoconfiança fica com o lugar.
O maior problema de nos autossabotarmos é que, ao fazê-lo estamos a sabotar também quem nos rodeia, qual ciclo interminável.
Olhemos agora para o ambiente. Há quanto tempo prometemos a nós próprios reduzir o consumo de plástico?
“A partir de hoje nunca mais compro palhinhas, nem cotonetes!” Pois, mas compro pacotinhos de leite e yogurte liquido para os miúdos, cada um embalado individualmente e, pasmem-se, com uma palhinha.
“Nunca mais uso sacos de plástico no supermercado…” Tirando as vezes que me esqueço do reutilizável em casa, é só hoje, e vou usar este mais vezes (pelo menos uma, no cesto de papeis da casa de banho).
Vamos almoçar ao novo café in da cidade. Comida saudável, guardanapos de papel reciclado, lâmpadas economizadoras, peço o wrap da vitrine, cheg- me as mãos embrulhado num saquinho de plástico (True Story).
“No supermercado vou privilegiar as embalagens de vidro para voltar a usar.” Quando olho para a despensa tenho uma caixa enorme de frascos e não faço nada com eles… Vão para o vidrão e volto as práticas embalagens de plástico ou metal.
Olhando de forma fria para a nossa vida, para a nossa correria diária, concluo que efetivamente não precisamos de outro inimigo que não nós mesmos. Se alguém nos impede ou puxa para trás é o nosso reflexo no espelho.
Somos seres comodistas, gostamos de conforto e muito raramente fazemos algo que saia fora dessa almofadinha, mesmo que isso signifique mudanças benéficas.
Talvez esteja na hora de acordar, de olharmos para o espelho e acreditarmos que no reflexo está um amigo que sorri para nós!