Viver sem números

Sempre fui um homem de letras. Talvez por isso seja suspeito para falar de números, talvez nem os compreenda na sua essência, talvez não compreenda a obsessão dos mercados por eles, das economias e, infelizmente, dos sucessivos Governos que insistem em tratá-los melhor do que às pessoas que governam. O Homem criou o comércio e, depois, criou a economia, mas hoje em dia, será a economia que comanda o homem? Estaremos perante o caso cliché do aluno que superou o mestre? Não sei se será o caso, mas é um bom ponto de partida para pensarmos um pouco sobre o défice que comanda tantas aberturas de telejornais e sobre os limites financeiros que constantemente são impostos às famílias portuguesas. Ou, desta vez, porque não pensar a partir de nós próprios e deixarmos, apenas por um momento, os Governos de lado?

Muitos de nós apregoamos que não somos um mero número, mas quantos de nós não vivem na verdade obcecados por dinheiro? A contar quanto sobra no final do mês, nas contas para pagar, nas poupanças para fazer aquilo que se quer fazer, realizar, conquistar. Não é criticável, é uma realidade dos sustentáculos sociais que fomos construindo ao longo dos tempos modernos. Aquilo que temos, aquilo que não temos, aquilo que dizemos merecer, aquilo que pedimos emprestado, ou que, por vezes, até damos e recebemos. Tudo é número. Podemos sim, afirmar que todas essas transacções não nos definem, mas para isso ser mesmo verdade, seria necessário uma reinvenção. Aliás, muitas reinvenções. Quer seja de estilo de vida, de funcionamento de sociedade, ou de economia e, consequentemente, de sustentação financeira. Lá está, não podemos fugir ao facto de precisarmos de crescer mais, de precisarmos de produzir mais do que aquilo que gastamos para fugir ao… Défice.

Não queria apregoar a demagogia, mas, para mudar um estilo de vida enraizado em quase todo o mundo, tínhamos de nos separar de quase tudo o que conhecemos e é essa consciência que ainda falta à maioria das pessoas, que, em desabafos mais ou menos inconsequentes, vão dizendo que “isto tem de mudar”, “não sou apenas um número”, “não preciso de nada disto”. Na verdade, isto poderia mudar, mas teríamos de arcar com o bom e com o mau dessa mudança. Não somos realmente um número, porém, vivemos de mãos dadas com eles, precisamos de os domar para ter um Serviço Nacional de Saúde, para ter uma Segurança Social, para ter Educação, etc.

Cheguei ao ponto primordial da problemática, precisamos de os domar, aos números. Nunca, em qualquer circunstância, podemos deixar que eles sejam colocados à frente da nossa humanidade. Repito, nunca.

Porque os números não nos dizem tudo, eles seleccionam muito bem a informação que nos dão. Não dizem que aquele pensionista não consegue arcar com mais cargas do Governo, apesar de outros mil o conseguirem. Não dizem que aquele rapaz não tem as mesmas oportunidades educativas do que outros mil e que isso não o faz inferior a ninguém. Não diz que aquele doente não foi salvo por falha no sistema, apesar de outros mil o terem sido. Percebem? Os números não são tudo, nem definem tudo. E isto é válido para a dimensão política e a dimensão pessoal.

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