A maioria da população está concentrada em grandes cidades. É nelas que surgem ofertas de trabalho, espectáculos culturais e outras tantas oportunidades de aproveitarmos a nossa curta existência. Anda tudo à procura do mesmo: estabilidade financeira, equilíbrio físico e emocional e relações humanas duradouras e benévolas. Se dimensionarmos este triângulo de forma plena, podemos dizer que temos as condições apropriadas para prosperar. Não é tarefa fácil, e a maior parte de nós sacrifica dois dos vértices em detrimento de um. Apesar das cidades nos proporcionarem, teoricamente, todas as condições para estarmos satisfeitos, observa-se que estas também são um espaço onde cada vez mais os seus habitantes sentem uma solidão profunda.
Mas o que é a solidão? Não é nada mais do que uma função corporal e neuronal, tal como a fome ou a respiração. A fome presta atenção às necessidades fisiológicas e físicas. A solidão foca-se nas necessidades sociais. Vejamos: a nossa essência como espécie era agruparmo-nos em pequenos bandos, e não em espaços citadinos extremamente densos. Ser aceite significava sobrevivência. Daí a importância de sentir solidão nessa altura, pois era uma forma de corrigir comportamentos que nos levavam a ser excluídos e isolados pelo resto do bando. O modus operandi do Ser Humano transformou-se, mas a solidão permaneceu em nós, pois é uma função inata. De que forma a colocámos na nossa relação connosco e com os outros?
Com a evolução tecnológica, o indivíduo usufrui do poder da ubiquidade na comunicação. Comunicar à distância é super-acessível, todos temos o poder de sermos ouvidos e ter o tão aclamado engagement. Tudo ao alcance de um simples click. O telemóvel é a extensão do braço e um gerador instantâneo de dopamina. Procuramos validação social através de likes (dos gostos de pessoas que nunca ouvimos falar nem temos qualquer tipo de relação real), somos bombardeados com notificações, que abrimos de forma compulsiva. Existe este vício em partilhar conteúdo, na esperança de alcançarmos o maior número de pessoas, e assim ‘sermos ouvidos’. Há que lidar com o lado efémero da internet e com a sua aceleração, que acrescenta ainda mais compulsividade aos seus utilizadores. É preciso partilhar no momento certo e à hora certa, e perpetuar este comportamento para continuarmos a sermos ouvidos. Será este vício um dos grandes fomentadores da solidão?
Mostramos e damos a conhecer-nos ao mundo aplicando filtros à nossa imagem e arredondando os cantos ao que está imperfeito. É um mundo de possibilidades infinitas e cada um de nós tem um potencial arrebatador, em que somos autênticos anúncios vivos. A forma como nos expomos (e damos de barato informações às poderosas empresas que gerem a internet) só esconde aquilo que nos torna verdadeiramente humanos. A forma como nos mostramos carece de imperfeições. A imagem de nós mesmos que queremos transparecer é demasiado limpa e cristalina, e tal só traz pressão e desilusão. É-nos pedido que estejamos sempre ocupados e sempre a ‘produzir’, senão não há bem-estar que se instale. É a sociedade do anti-tédio. Até para meditar, onde é suposto ouvirmos a nossa voz interior, usamos apps para nos guiarem. Perdeu-se o hábito de estarmos sozinhos e criou-se um medo e um preconceito acerca da solidão. O sucesso tornou-se superficial e é proibido ser negativo e mostrar fraquezas.
Vivemos numa sociedade em que tudo é descartável. ‘Life is plastic, it’s fantastic!’ é o lema. O indivíduo mostra-se mais (de forma sintéctica) e não vê nem se preocupa o sofrimento do outro. O crescimento do narcisismo impede-nos de amar. Estamos desligados da Natureza, isolados neste delírio do mundo conectado, e é difícil ter experiências autênticas. Já ninguém se olha verdadeiramente. Existem tantas apps de encontros, e cada vez se fazem menos amizades verdadeiras. E os amigos de longa data cada vez se encontram menos vezes. É este factor da relação com os outros que devemos trabalhar. Somos livres e felizes entre amigos, pois pertencemos a eles. Neste Natal, um amigo de longa data veio-me visitar. Só lá esteve 5 minutos, mas essa simples iniciativa tornou o meu serão muito mais agradável. É pena que este hábito do nos visitarmos uns aos outros (analogicamente) se tenha perdido no tempo.
No último trimestre de 2021 aconteceu um apagão das principais redes sociais durante umas horas. O pânico instalou-se na maior parte das pessoas. Imagine-se a dependência incrustada que as apps têm no Homem comum. Apercebamo-nos do quão frustrados nos sentimos quando temos que aguardar que a página da web seja carregada, parece que aquele círculo está ali a girar há séculos. É essa intermitência que se define o quão sozinhos realmente nos vamos sentindo. Estamos tão ocupados em olhar para baixo, à procura de notificações, que nos olvidámos de olhar para o Céu e, mais importante, para quem está ao nosso lado. No meu tempo de Universidade, era habitual que os Veteranos ordenassem que os caloiros curvassem o olhar para o chão, em sinal de reverência e castigo. É irónico como esse movimento se tornou um vício. O que muda é o objecto atordoante ao qual o nosso olhar é dirigido.
O problema, mais uma vez, são os excessos. O consumo desenfreado de conteúdos, a pressão por termos um bom desempenho, a saturação de informação, bem como a hiperdensidade das cidades, mercadorias, mensagens e circuitos. A correria para ir de acontecimento em acontecimento. A pressa torna-nos difusos e impossibilita-nos de estarmos verdadeiramente presentes e de levarmos a vida tranquilamente, e principalmente de criar laços fidedignos. A partilha, no sentido verdadeiro da palavra, não está no conteúdo electrónico, mas sim no sentido analógico e humanitário. Só esses criam ciclos sociais estáveis. Retiramos mais prazer da vida quando temos experiências de durabilidade. O acumular de experiências, de forma compulsiva traz-nos um conceito de felicidade ilusória. Mais nem sempre é melhor.
Fazer zapping, swipe e scroll não devem ser as actividades principais da nossa existência. É importante sentirmos solidão e crescer no sofrimento, desde que não percamos a introspecção e o poder contemplativo. O tédio faz falta, porque nos traz reflexão. É necessário que existam hiatos na existência. Precisamos transformar toda esta solidão em solitude, e combiná-la com momentos de verdadeira presença e simbiose. Faz falta ambiguidade, discussão e interpretação metafísica. É nessa ambiguidade que nos conectamos verdadeiramente.