Sobre Regressos, Prioridades e Conquistas

Então, vamos lá.

Já não escrevo por aqui há muito tempo. Não é falta de vontade, nem de assunto. Podia dizer-se que é falta de tempo, mas eu sou pessoa que acredita que a falta de tempo é a desculpa que encontramos para não fazer alguma coisa, seja essa coisa o que for. Tudo é uma questão de prioridades. E, já se sabe, cada um tem as suas.

“Então porque raio não escreves por aqui há muito tempo?” Simples. Por falta de disponibilidade mental. É que, muitas vezes, o que designamos por falta de tempo é apenas falta de capacidade para pensar em mais coisas. Ou em mais alguma coisa que não aquela que nos ocupa todos os cantos do cérebro (sendo que o cérebro não tem cantos, mas vocês perceberam a ideia).

A verdade é que publiquei um livro há uns meses. O meu primeiro livro. Com uma editora que leva o seu (e o meu) trabalho muito a sério e isso significa que escrever o livro foi o mais fácil. A sério que foi. Foi só ficar sentada na minha cadeira confortável a inventar uma história. Por vezes, na cadeira não tão confortável da biblioteca a continuar a inventar a história. O pior veio depois. Foi preciso editar, ou seja, melhorar o texto. Reescrever algumas partes, acrescentar outras. De seguida, rever. Receber o texto da revisora e aceitar ou rejeitar as centenas (podia dizer milhares, mas não quero que fiquem a pensar mal de mim) de entradas e comentários que chegaram. Vírgulas a mais ou a menos. Palavras que podiam resultar melhor. Frases que talvez não tivessem o sentido que lhes queria dar. Aspas no formato errado e travessões sem o tamanho certo. Já para não esquecer a sinopse. “Ah! Mas isso há-de ser fácil! São três ou quatro parágrafos!”. Certo, mas são três ou quatro parágrafos em que é preciso dizer quase tudo sem revelar quase nada. Foi nessa altura que percebi, finalmente, o significado da frase, “se tivesse tido mais tempo, teria escrito uma carta mais pequena”.

Bem sei que, dito assim, devem estar a pensar “então deves ser uma grande naba, se precisaste de tantas correcções!”. Em minha defesa, não. É mesmo assim. É assim com todos os escritores. Do mais inexperiente ao mais aclamado. E é por isso que o sucesso de um livro não se deve apenas ao autor, mas a todos os que trabalharam para que esse livro nos chegasse às mãos, na sua melhor versão.

É, então, que o livro nasce. Fica disponível em todas as livrarias. É preciso pensar na sessão de lançamento. É preciso divulgá-lo, promovê-lo. Ir a sessões de apresentação. Dar entrevistas para rádios, revistas, canais online. Numa era em que os autores estão à distância de uma mensagem no telemóvel para qualquer leitor, e em que os bookstagramers e os booktubers e os booktokers são uma parte imprescindível na divulgação de um livro, o autor dá consigo agarrado ao telemóvel a conversar com dezenas de pessoas. E isto é coisa que consome tempo. Se tudo correr bem, ao longo de várias semanas os contactos são intensos. E eu acredito que o mínimo que um escritor pode fazer é responder a todos os que se interessam pelo seu trabalho e dedicam algum do seu tempo a falar connosco sobre o nosso livro.

Isto traz-me ao ponto mais importante de toda esta conversa. As pessoas. Claro que eu queria muito publicar um livro. Claro que entrar numa livraria – aquele lugar de que os amantes de livros não se cansam – e ver o nosso livro exposto é uma sensação magnífica. Mas os livros, apesar de eternos, têm um período de vida curto. Eu sei que é um contra-senso. O que quero dizer é que os livros podem existir para sempre, nas nossas casas, nas bibliotecas, em alfarrabistas, mas as novidades depressa desaparecem das livrarias e das bocas do mundo. São editados centenas de novos livros todos os meses e não é possível continuar a dar espaço e atenção aos que saíram há mais de um mês ou dois.

Então, o que fica? Ficam as pessoas. Nestes últimos meses, muitas pessoas entraram na minha vida. Muitas mais do que nos últimos dez anos. Conheci pessoas de quem gosto muito. Que admiro. Com quem me apetece estar e conversar. Conheci pessoas diferentes do meu círculo habitual de pessoas e nem vos digo como isso me tem enriquecido. Conheci pessoas que hoje são minhas amigas. E quão maravilhoso é fazer amigos quando se é um adulto que já trabalhou mais anos do que os que faltam para a reforma? (e se a reforma vai numa idade avançada!)

“E agora?”, perguntam vocês. Agora é começar de novo. Voltar a sentar na cadeira confortável da minha casa, por vezes, na cadeira não tão confortável da biblioteca, e inventar uma nova história. Porque agora já sei onde o caminho me leva. E não tenciono abdicar disso.

*Corpo Desnudo e a Roupa no Estendal é uma rubrica quinzenal sobre quem somos. Sozinhos e uns com os outros. Despidos e expostos. Na porta de casa, e a roupa estendida no fundo do quintal.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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