Inversão de papéis – Das Creches aos Lares e Centros de Dia

É difícil “pegar-se” num assunto ou tema e desenvolvê-lo sem fazer uma, ainda que breve,  contextualização, pois as coisas não acontecem só porque sim, tudo está interligado.

Assim, para se falar na inversão de papéis, temos que perceber quais as situações que fomentam as mudanças e que podem criar dificuldades.

Antes de mergulharem no tema propriamente dito, gostaria ainda de ressalvar que esta abordagem foi feita sob um ponto de vista pragmático e com base nas dificuldades económico-financeiras que se fazem sentir, deixando de lado a parte emocional excluindo sentimentos tais como a gratidão e afins.

Hoje em dia, quer pela comodidade, quer porque os estudos se prolongam, quer ainda pela dificuldade em arranjar um emprego estável e relativamente bem pago e que se traduz na dificuldade em arranjar onde morar, os jovens vêem-se obrigados a ficar em casa dos seus pais durante muito mais tempo.

Não são raros, muito pelo contrário, os casos de jovens que depois dos trinta se encontram ainda sob o tecto dos seus progenitores.

Na verdade, esta situação está patente por toda a Europa e de acordo com uma série de reportagens publicadas no verão passado pelo Financial Times sobre a “Crise da habitação na europa”, isto deve-se a uma série de factores tais como:

  • o país estar a atrair cada vez mais residentes estrangeiros;
  • o alojamento local ter crescido quase sem limitações e, segundo a Eurostat, Portugal é o país onde a percentagem de dormidas em AL é maior;
  • grande parte dos empréstimos à habitação são a taxa variável e por isso afectados pela subida de juros;
  • a produção de habitação ter caído significativamente nos últimos 15 anos o que fez subir as rendas e os preços dos imóveis muito acima do crescimento dos rendimentos;

Todos estes factores limitam o acesso à habitação, particularmente aos mais jovens, não só acentuando as divisões geracionais como também as desigualdades sociais.

E porque um mal nunca vem só, e ainda de acordo com o Financial Times, todos estes factores estão a acontecer em Portugal e em simultâneo.

Neste contexto, somente quando sentem que a sua vida está mais ou menos estabilizada é que os jovens se aventuram a sair e a constituir a sua própria família.

Ora isto, faz com que se tornem pais e mães cada vez mais tarde sendo que, na grande maioria dos casos, ou já estão ou estão a entrar na casa dos sessenta quando os seus filhos são ainda adolescentes.

Assim sendo, quando os pais começam a precisar de cuidados, os filhos são ainda muito jovens, inexperientes, imaturos e longe da sua estabilidade quer financeira quer emocional.

Então, as questões que se colocam são:

  1. E estarão os filhos preparados para dar apoio aos pais?
  2. Deverão os filhos interromper ou adiar as suas oportunidades de trabalho para serem cuidadores?

Obviamente que se trata de um tema controverso e certamente espoletará opiniões bastante divergentes. No entanto, as opiniões emitidas sem conhecimento  de causa, ou seja, sem se estar a passar ou sem se ter passado por isso, não serão de todo válidas. É muito fácil falar sobre algo que não nos afecta directamente.

Então, vejamos, no caso dos pais, raros são os casos em que estes deixam de trabalhar para se tornarem pais a tempo inteiro. Por conseguinte, estes e no sentido de poderem dar seguimento às suas vidas profissionais e de fazerem face ao custo de vida, as crianças são, desde tenra idade, colocadas em creches ou amas e, depois de darem início à sua vida escolar, em ATLs e nas mais variadas actividades de modo a que os pais possam ter liberdade e tempo para trabalhar.

Porém, quando os papéis se invertem, quando são os pais a precisar de cuidados, recaindo sobre os filhos a responsabilidade, e por responsabilidade entenda-se a quase obrigação de cuidar dos pais, aí é que residem os problemas.

O facto dos filhos optarem por colocar os pais em lares ou centros de dia para que, por sua vez, possam ter tempo e liberdade para exercer as suas profissões, faz com que sejam apontados e enxovalhados pelas vozes alheias. Se os pais o fizeram antes, para quê tanto alarido pelo facto dos filhos fazerem o mesmo?

Deverá ou poderá (no sentido de ter capacidade financeira) um jovem abdicar do seu trabalho para ficar a cuidar dos seus pais?

Estarão as entidades patronais preparadas e na disposição de aceitar que os seus funcionários faltem ao trabalho para acompanhar os seus pais nas suas inúmeras idas às consultas, aos exames e ao hospital?

Estará o governo preparado para (re)criar um subsídio para cuidadores a tempo inteiro? (Esse subsídio já existe, mas contempla somente casos muito extremos e se preenchidos certos requisitos muito específicos).

Em Portugal, os incentivos a este tipo de práticas, quer por parte dos pais quer posteriormente por parte dos filhos, são escassos para não dizer inexistentes.

E é uma bola de neve, como tantas outras, que facilmente se transforma em avalanche, e ninguém vê, ninguém se importa, ninguém se revolta. Preferem dar prioridade a outro tipo de assuntos…

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico
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