Ser a Mudança

Gandhi disse um dia que temos de ser a mudança que queremos ver no mundo. Hoje, como em cada dia que já passou nesta caminhada da humanidade na Terra, ou como em qualquer dia que iremos viver no futuro, este princípio estará sempre perfeitamente actual.

Se observarmos, mais uma vez, as notícias que marcam estes últimos dias, estas últimas semanas e meses, vamos colocar o nosso olhar sobre um mundo em perfeita mudança, onde a tensão criada por uma crise financeira, que, na realidade, já dura há muitos mais anos do que os que pensamos, trouxe à tona um conjunto de verdades sobre quem somos e sobre todo o caminho que temos feito. É isso que, realmente, precisamos de olhar hoje, para podermos ser, como Gandhi tão bem nos disse, o centro de transformação das nossas próprias vidas.

De um momento para o outro, os jogos de poder tornam-se evidentes, visíveis e mais transparentes. As redes sociais e a Internet, os grandes mecanismos do futuro, trazem, em tempo real, o que se passa no mundo. É um facto que muita informação não é real, é criada de propósito para gerar confusão e contra-informação, mas o mundo passou a estar à distância de um clique. Em directa proporção, as distâncias diminuíram radicalmente e o preço a pagar é, tão simplesmente, o tempo que voa, o stress que não existia antes, a desmultiplicação que temos de fazer de nós mesmos em relação às “exigências” do mundo.

O que está a mudar no mundo? Apenas nós mesmos. No entanto, perguntamo-nos todos os dias porque passamos por tais provações, porque não existe trabalho, porque passamos dificuldades, porque há ricos tão ricos e pobres tão pobres, porque tantos têm que emigrar, porque tantos vivem na miséria, porque nos sentimos perdidos. A resposta, que muitos de nós não querem ouvir, nem ver, é simples. Tão simplesmente, fomos nós que criámos o mundo em que vivemos, desconectados da verdadeira essência do ser humano, sedentos de poder. Não se aplica apenas a alguns, às grandes potências, ou aos grandes líderes mundiais, à Chanceler Merkel, ao Presidente Obama, ou ao déspota Kim Jong-Un, aplica-se a todos nós, individual e colectivamente, que construímos, por linearidades familiares, geracionais, baseadas numa conveniente desresponsabilização, o mundo em que vivemos hoje.

Criámos, há milénios, um sistema, a democracia, que parecia quase perfeito, nesse mesmo país sobre o qual, hoje, tanta confusão está gerada e tanto jogo de poder acontece. Nos últimos séculos, transformámos essa democracia, adaptando-a à dimensão dos Estados e do mundo em que vivemos, aceitando, comodamente, a conveniência que era eleger (ou nem sequer ir às urnas), deixar fazer, reclamar (principalmente quando não se vai às urnas) e culpar tudo e todos. No entanto, cada um de nós sentou-se na cadeira confortável da vitimização e do pessimismo, apontando o dedo para uma televisão que todos os dias nos bombardeia com programas estéreis, que apenas servem para entreter, com informação, tantas vezes, muito conveniente e manipulada. Reclamamos para uma televisão, sem sequer conhecer os direitos e os deveres que existem pelo simples facto de sermos cidadãos.

Continuamos a levar tudo ao limite, até o próprio planeta, por preferirmos ser números, mas reclamarmos sobre isso, do que assumirmos a nossa unicidade, a nossa individualidade, vivermos em partilha e solidariedade, auxiliando-nos uns aos outros a podermos ser mais e melhores, a podermos criar da Terra um sítio especial. Preferimos, mesmo com tudo o que temos vivido, ambicionar mais poder, pisando no nosso irmão, viver sob uma necessidade de controlo de tudo e de todos, sem percebermos que nada controlamos, alimentar a inveja, a mágoa, o ódio, o medo e o rancor, fomentando guerras e conflitos, criando braços de ferro ao invés de dar as mãos.

Se queremos que o mundo se transforme, então, como dizia Gandhi, temos de nos permitir a nós mudar, pois não podemos exigir que tantas coisas mudem sem darmos nós esse primeiro passo, sem nos permitirmos rasgar a pele e revelar a matéria de que somos feitos.

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