Fundamental na sua influência técnica e estética, Das Cabinet des Dr. Caligari (1920) preconizou novidades artísticas, dominantes nos anos 20.
No início do século XX, a fotografia começava por dar os seus primeiros passos, enquanto meio abrangente a todo o mundo e como indústria, em crescimento exponencial, que vem substituir a pintura – esta última estava interessada em servir a classe social mais poderosa e influente da época, a burguesia. A década de 1920 elucida como o expressionismo se tornou principal exponente desta questão, transparente nos cenários modernistas de Caligari.
Baseada em factos aterrorizadores, vivenciados pelos argumentistas do filme, Carl Mayer e Hans Janowitz, esta magistral obra-prima vive do pesar das interpretações, de Conrad Veidt como Cesare e de Werner Krauss como Caligari. Quando, em plena feira, o assustador doutor acorda, com os seus processos de hipnose, o sonâmbulo monstro, revela-se um despertar para a vida, num momento que também a humanidade despertava para uma nova etapa – a do pós-Primeira Guerra Mundial. Hoje em dia e passados quase cem anos, toda a sua atmosfera permanece bastante envolvente.
O décor expressionista de Hermann Warm, Walter Reinmann e Walter Röhrig demonstra perfeitamente as acções do consumidor de almas, Cesare. Esta personagem é de outro mundo, talvez como todo o filme. Não se limita a uma dimensão humana, consubstancia-se também nos espaços epidémicos e hipnóticos.
Todo o filme inovou na forma de contar uma narrativa, com uma história dentro de outra. Entre o prólogo e o epílogo temos um flashback, o regresso ao passado e às memórias da personagem Francis (Friedrich Feher). Fritz Lang, durante o período em que esteve associado à realização do filme, sugeria um início comum a outros tantos filmes da época, sobretudo, para o público atingir e compreender facilmente a história, sem quaisquer desvios. O mesmo não foi considerado. O flashback é apenas uma metáfora, uma fórmula de interrupção da sequência narrativa, que neste caso, aufere uma importância significativa a esta película, pelo lugar obtido na história do cinema.
No final, percebemos que tudo não passou de uma perspectiva distorcida da realidade, uma vez que o expressionismo, no segundo nível da trama, é encarado como a visão de um louco, na qual os constantes efeitos de luz e sombra afastam-se do naturalismo, que em nenhum instante se encontra. Por isso é que o filme incita a luz. O espectador pode ver o assassinato de Alan por Cesare, mas apenas através de sombras. Tal fará despertar no espectador uma certa sensação de inquietude, porque, no último minuto, percebe que tudo era falso e nada do que estava a ver correspondia à realidade.
O mesmo constata-se na sétima arte. Somos confrontados com uma história, dentro das nossas histórias de vida e, quando saímos de uma sala de cinema, somos empurrados para uma realidade que preferíamos não regressar. O Gabinete do Doutor Caligari causa temores nos seus espectadores, sendo prova de como o cinema faz explodir a nossa mente – quase que um mundo de prisões, onde mais cedo ou mais tarde, estaremos diante dos seus destroços.
Ficha técnica
Ano(s) de Produção: 1919-1920/ Título português: O Gabinete do Doutor Caligari/ Título original: Das Cabinet des Dr. Caligari/ Realizador: Robert Wiene/ Argumento: Carl Mayer & Hans Janowitz/ Elenco: Werner Krauss, Conrad Veidt, Friedrich Feher, Lil Dagover, Hans Heinrich von Twardowski/ Música: Giuseppe Becce/ Duração: 78 minutos