Enquanto, nas últimas horas, Portugal se debate, até porque não deve haver nada mais interessante e importante, sobre a forma como Pires de Lima falou no Parlamento, ainda processamos as afirmações de Angela Merkel sobre os licenciados no nosso país e na vizinha Espanha, algo que, para mim, é muito mais interessante de me debruçar.
Em Portugal, temos, entre muitos outros, dois hábitos interessantes. Um é o clássico falar mal e criticar o que temos feito e desenvolvido por nós. O outro é o igualmente clássico defender-nos com unhas e dentes, quando alguém lá fora diz mal de nós, ainda que, cá dentro, muitas vezes, digamos o mesmo.
Quando Angela Merkel fez as suas afirmações esta semana, levou a que o orgulho português logo se levantasse, apesar de, muitas vezes, entre portas, ouvirmos exactamente as mesmas críticas. Logo se ouviram simpáticas palavras à senhora Merkel e às suas afirmações, estatísticas comparativas surgiram imediatamente, demonstrando que, pela matemática, temos menos licenciados do que a própria Alemanha.
Não que concorde com a chanceler alemã, mas antes de criticar seria interessante reflectir. Nos anos 90, vimos um crescimento muito forte das universidades e dos cursos superiores, com um maior acesso das classes médias e baixas às licenciaturas, algo que, creio, foi muito importante para o desenvolvimento do país. Contudo, o problema para mim e até corroborando um pouco a perspectiva de Merkel, não está no número de licenciados, mas sim na perspectiva de maior parte das nossas licenciaturas e, principalmente, dos alunos portugueses.
Deixámos há muito de ver a licenciatura (e após Bolonha isto foi catastroficamente maior) como uma expansão do nosso pensamento, um crescimento intelectual que suporta uma vocação. Há muito que escolhemos licenciaturas pelo emprego e, principalmente, pelo dinheiro, que ela, eventualmente, nos poderá dar. Há muitos anos que sou especialmente crítico desta postura, que demonstra uma quebra intelectual da nossa sociedade, que, infelizmente, quer queiramos quer não, é bem visível.
Sempre defendi que o nosso ensino deveria ser dirigido para a vocação e para o desenvolvimento dessas capacidades, o que faria claramente com que pessoas que realmente são médicos o pudessem ser e não dependessem puramente de exames escritos, acabando por ir para outras áreas e desperdiçando enormes potenciais. Isso também faria com que houvesse um maior respeito por profissões que hoje são consideradas menores, mas que são profundamente necessárias, como um simples canalizador, ou electricista.
Neste aspecto, defendo o que Merkel disse, pois na realidade hoje temos uma grande fábrica de licenciados de egos insuflados e que acham que ao saírem de 3 anos de estudos superiores já são grandes especialistas de alguma coisa. Não, não digo que isto seja a generalidade, nem a totalidade dos alunos, mas sejamos humildes e capazes de olhar a realidade à nossa volta e, certamente, iremos ver com outros olhos a nossa realidade formativa.
Todo o ensino, do básico ao superior, precisa de ser visto de outra forma, exactamente na perspectiva do desenvolvimento pessoal e com o propósito de formar adultos que pensam e são capazes de aproveitar as suas capacidades. O que temos ainda é o reflexo de um materialismo muito patente na nossa sociedade, que, sempre muito remediada, tem em cada um o desejo de riqueza (por alguma razão somos recordistas de apostas em jogos como o Euromilhões).
Sabemos bem que Angela Merkel disse o que disse com diversas intenções, nomeadamente economicistas de favorecimento da Alemanha. Contudo, as suas palavras, mais do que levantar-nos em defesa dos nossos egos, deveriam levar-nos a reflectir sobre quem somos e quem queremos ser, uma discussão que há muitos anos deveria existir na nossa sociedade.
A meu ver o problema não é este. E a Sra, Merkel se não sabe o que diz deveria pensar e pesquisar antes de dizer o que diz.
Isto porquê, por obra e força da Alemanha, Portugal foi forçado a seguir uma política de austeridade tal que hoje em dia não há colocação para Licenciados e… Técnicos!
São muitos os Canalizadores, Electricistas, Trolhas e outros tais que ou não tem emprego ou trabalham como precários. São imensas as “histórias” de Técnicos que emigram para poderem ganhar dinheiro. Mas esta parte a Sra. Merkel não vê nem quer ver. E pelo que vou lendo a Sociedade Lusa, na sua grande maioria, também não vê nem quer ver.
O que há em Portugal é excesso de Títulos Honoríficos e excesso de quem lhes dê importância. Esta é que é esta.
Queria concluir dizendo que não estou em desacordo quando se diz que se deve fazer uma revisão do ensino em Portugal. Até porque existem Cursos sem saída profissional alguma. Mas não misturemos as coisas nem, façamos do Ensino Profissional a solução mágica da Germânia para o problema do desemprego.