Doces memórias à mesa de Natal

“A mesa é o altar da família, e a comida, o sacramento da união.”

Excerto do pensamento do escritor português, Aquilino Ribeiro, sobre a importância da mesa e da comida na união familiar.

Portugal é um dos países com as maiores tradições gastronómicas na Europa, apresenta um vasto legado de uma culinária mediterrânica, rica em ingredientes provenientes da terra e preparados com um cunho muito peculiar: amor e tradição.

Hoje venho falar-vos das rabanadas, com o seu tom dourado e sabor típico que combina bem com uma bebida quente reconfortante, é muito mais do que um simples doce de Natal.

É um pedaço da nossa história, diria até, uma ponte entre gerações do passado, do presente e do futuro. Nos tempos mais ancestrais da história greco-romana, o pão era transformado numa iguaria mergulhada em leite e mel, até atingir hoje o seu lugar de destaque, na tradição portuguesa e brasileira. A rabanada tem conquistado paladares por todo o mundo, quer na ceia de Natal em Portugal como em outros povos lusófonos.

A rabanada, como a conhecemos, é um doce feito de pão de trigo embebido em leite, ovos e em calda de açúcar que vai a fritar até ganhar a textura dourada e servida posteriormente com canela a gosto ou vinho do Porto. Conhecemos como uma sobremesa versátil que permite que seja apreciada em qualquer momento do ano, seja na mesa da consoada, ou até na Quaresma em algumas regiões do norte de Portugal.

A sua origem remonta ao século XV, quando já era mencionada em textos literários como um prato para a recuperação pós-parto. Alguns registos históricos incluem receitas nos livros dos chefes de cozinha, Domingo Hernández de Maceras (1607) e Francisco Martínez Motiño (1611).

Segundo a história mais recente, apesar de ser um prato humilde, feito com ingredientes simples como pão, leite, ovos e açúcar, a rabanada é caracterizada por um poder especial: o de unir famílias à volta da mesa. Quando preparamos e partilhamos este doce, celebramos não só a experiência da degustação e sabor, mas também a partilha, o carinho e as memórias que fazem parte da quadra festiva do Natal, bem como em outros momentos do ano.

As minhas memórias conservam um lugar especial para a doce rabanada.

Lembro-me bem das longas noites de Natal em que a minha mãe, num gesto paciente e amoroso, preparava as melhores rabanadas que já provei, talvez porque eram feitas com entrega e carinho.

Não consigo deixar de pensar e lembrar-me do aroma intenso que invadia a casa e o sabor inconfundível do doce na boca – perdoem-me os Nutricionistas, mas em tempos únicos é um desperdício não se experimentar este doce – que é, sem dúvida, um pecado que vale mesmo a pena.

As rabanadas continuam a transportar-me para esses momentos, em que a família se reunia e o Natal era mais do que dar ou receber presentes – era estar presente e ter união e afeto.

Além de um símbolo da gastronomia portuguesa em quadra festiva, a rabanada é também um reflexo da nossa cultura. Em Portugal, representa a criatividade com que as famílias transformavam o que tinham à mão: pão seco de dias em algo extraordinário, um doce, que alimentava as famílias.

No Brasil, tornou-se um doce adaptado, conserva a sua essência, de se manter fiel às tradições: confortar o coração em momentos de celebração.

Cada rabanada ou fatia dourada, comummente conhecida em outras regiões do país, faz-nos celebrar uma tradição que atravessa gerações e fronteiras, mas que nunca perde o seu propósito: tornar os momentos simples em memórias inesquecíveis.

Muitas das vezes associada ao Natal, a rabanada simboliza ainda partilha e o poder de reunir as famílias à mesa, perpetuando o sabor e o aconchego de gerações passadas e memórias de infância.

Continuo a pensar que a tradição é como se fosse um fio que nos prende às raízes e nos sustenta no futuro, tornando-nos seres humanos mais genuínos, motivados por sentimentos de generosidade e por autenticidade.

São servidos de uma rabanada e de um café acolhedor?

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico”.


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