Seis graus de separação

Quando mudei de cidade, saindo de Lisboa, onde nasci e cresci, para Alverca do Ribatejo, onde vivo actualmente, tive a percepção clara do que era este conceito. Muito antes de saber que existia sequer esta formulação, vivenciei-a na naturalidade dos dias e dos cruzamentos sociais.

Este conceito estipula que qualquer pessoa poderá chegar ao conhecimento de outra, independente da distância física, medido em X graus de separação, que é o mesmo que dizer através de X conhecimentos intermédios. De uma forma mais clara, o Manuel poderá conhecer Obama, se conhecer a Maria, que conhece um João, que conhece um James que até é primo do antigo Presidente dos EUA. O número de pessoas que medeia esse conhecimento são os graus de separação.

Esta ideia surgiu  de forma embrionária na década de 20, no conto Chains da autoria do húngaro Frigyes Karinthy, estabelecendo uma correlação em cadeia, mas foi o psicólogo social Stanley Milgram quem, em 1967, quantificou essa ligação .

A experiência realizada – The small world problem – consistia no facto de 296 voluntários enviarem postais a um cidadão específico nos subúrbios de Boston, através de uma rede de amigos e amigos de amigos. Pela análise dos dados, estabeleceu-se que, em média, qualquer pessoa dista de qualquer outra apenas 6 graus de separação.

Com o incremento das comunicações, bem como o surgimento e democratização da Internet, estes números foram revistos. A universidade de Milão, recorrendo a algoritmos baseados nas ligações mantidas entre 712 milhões de utilizadores do Facebook, actualizou os graus de separação para cerca de 4.74, sendo que, nos EUA, dada a maior utilização da referida rede, se cifra em 4,3 graus.

Ora, este conceito científico é facilmente comprovável, ainda que a menor escala, no nosso dia-a-dia, de forma empírica. Se estivermos atentos, percebemos facilmente as teias de contactos que existem no nosso espaço de circulação. Actualmente, com as redes sociais, é evidente a existência de amigos comuns, que muitas vezes servem de juiz para aceitar ou não aquele pedido. Outras vezes, de forma mais inesperada, descobrimos que aquela moça que conhecemos numa formação é afinal esposa de um colega nosso de escola, ou amiga de uma prima nossa.

Alverca é uma cidade com 31 mil habitantes, o que a torna pequena face aos 500 mil de Lisboa. Assim, não é de estranhar que a rede de contactos seja mais reduzida e que as caras sejam mais facilmente memorizadas em contactos corriqueiros. Não se chega ao nível das aldeias, onde toda a gente se conhece, mas há ainda algum contacto pessoal que de resto aprecio, embora nos primeiros tempos me sentisse algo observada, nomeadamente pelas senhoras mais idosas que deveriam detectar um rosto estrangeiro.

Sou uma pessoa de conversa fácil e, portanto, rapidamente estabeleci alguns contactos, nomeadamente no infantário do miúdo, nas lojas das redondezas, no comboio. E não foi preciso muito para chegar ao ponto em que já quase não era possível conhecer alguém sem que tivesse uma qualquer referência anterior. Como quando uma mãe do infantário me confidenciou que tinha tido uma paixão adolescente por um familiar meu, história que já conhecia, mas cujo rosto não sabia identificar. Acabei por dar a laçada final e terminar a história.

Há dias, em pleno cabeleireiro, onde já por diversas vezes me encontrei com uma senhora e onde a conversa se desenvolveu, viemos a descobrir que a filha dela trabalhava com uma amiga minha da faculdade. Esta semana descobri que dois amigos meus, um das lides da escrita e outra da faculdade, conhecem-se do infantário que os filhos de ambos frequentam.

Mundo pequeno, afinal. Ora, esta situação, põe em questão o facto de nunca sabermos quem nos está a ouvir. Uma vez, num comboio, sentou-se à minha frente uma moça a falar ao telemóvel, contando à mãe sobre uma entrevista de emprego. Ora, com o desenrolar da conversa, não só referiu a empresa, como o nome do entrevistador, o que me fez sorrir, porque é o marido de uma colega de trabalho. Que utilizações perniciosas poderíamos fazer da informação que nos é dada de bandeja? É preciso ter cuidado…

Gosto de observar as pessoas e atentar nas suas deslocações. Imagino que cada uma delas tem uma linha que a vai ligando a outras, de uma para uma, e antevejo que observado de um nível superior possa ser visível uma tapeçaria ou um pano no tear, construído primeiro a espaços, mas progressivamente densificado na frequência dessas ligações. Saibamos fazer arte nesses nossos contactos…

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