Quando, em finais de 2001, António Guterres se demite do cargo de primeiro-ministro, alega que o faz para que o país não caia num pântano democrático. Creio que nos dias de hoje, muito mais do que nessa altura, esta expressão começa a fazer todo o sentido.
Nos últimos meses, os sinais que têm vindo de sondagens e dos resultados das eleições autárquicas são verdadeiros alertas que alguns já perceberam, mas que muitos, simplesmente, na ânsia de contestar tudo e todos e de gritar e exigir eleições, estão a ignorar e a deixar a realidade passar ao lado. Não digo isto com um sentido alarmista, ou pessimista, porque para tudo há solução, mas sim para mostrar que este é um indicador de algo muito mais importante e sobre o qual começa a ser imperativo reflectir.
Portugal já vive um pântano democrático há muitos meses, senão anos, demonstrado pela incapacidade de haver diálogo entre os diversos partidos e representações políticas que temos na Assembleia da República. Os interesses individuais das agendas dos vários partidos colocam-se acima de qualquer tipo de capacidade de diálogo e entendimento em prol do interesse nacional e comum. Por um lado, temos um governo e respectivas bancadas parlamentares que defendem uma linha de pensamento. Por outro, uma oposição que não tem liderança, nem se tem demonstrado como alternativa válida, onde três bancadas parlamentares vivem, cada uma, pela sua agenda, nomeadamente por razões ideológicas, obviamente válidas.
No entanto, o que seria de Portugal se hoje houvesse eleições? Na verdade, o que será de Portugal, quando, em 2015, no máximo, houver eleições legislativas? Os maiores partidos têm percentagens relativamente próximas e, no lume brando da contestação popular, o Partido Socialista de António José Seguro não consegue descolar nas sondagens. Em caso de eleições, nenhum dos partidos, PSD ou PS, conseguiria ter maioria absoluta e seria obrigado a coligar-se, nomeadamente com o CDS. Se isto seria simples no caso do PSD, como se coloca a posição de uma vitória do PS nas eleições, o mais provável dos resultados? O mesmo PS, que hoje critica o governo do qual o CDS faz parte, iria conseguir coligar-se com o partido mais à direita no parlamento? Como veriam os portugueses uma coligação do PS com a CDU, ou com o Bloco de Esquerda, para além da difícil capacidade de coligação com qualquer um destes partidos por questões ideológicas?
É verdade, já vivemos o tal pântano que Guterres nos falava, onde os dois maiores partidos com assento parlamentar não conseguem, como duas crianças que querem o mesmo brinquedo, sentar-se à mesma mesa e conversar, algo que o próprio Presidente da República já tentou promover, aquando do pedido de demissão de Paulo Portas, e que agora se repete pela mais recente recusa do PS em sentar-se à mesa com o PSD e o CDS para discutirem a reforma do Estado.
Na realidade, Portugal precisa de fazer uma espécie de upgrade na sua democracia e compreender que, cada vez mais, a rotatividade e os governos de coligação, algo já muito normal no resto da Europa, tem de ser feito, através de diálogo e de, definitivamente, ver o bem comum ao invés do bem individual. Se por um lado, o PSD de Passos Coelho reflecte uma liderança excessivamente fechada, muito semelhante à liderança do CDS de Paulo Portas, por outro, o PS de Seguro demonstra ser uma alternativa fraca, que tenta apagar o passado não o assumindo, mas mantendo, na sua bancada, os seus vultos e que está fechado num discurso puramente focado em eleições. Algo que, honestamente, nem sequer seria positivo para o PS neste momento e muito menos para o país, com medo de se envolver numa discussão forte e sólida e ficar ligado à imagem deste governo.
Sair do pântano exige astúcia, compreensão e trabalho de equipa, como se fosse uma expedição que se perde e que precisa dos recursos individuais envolvidos num objectivo comum. O que esta crise também nos mostra é que, mais uma vez, vivemos sempre nos governos objectivos de curso prazo, uma ou duas legislaturas, e nunca um projecto a quatro ou cinco, com uma visão de médio e longo prazo, que exige um pensamento de linhas comuns, orientadas no mesmo sentido. Ninguém pede que se desliguem as ideologias, apenas que se encontrem os pontos em comum, sem medo, fazendo o que é correcto para o bem comum. Será Portugal capaz de sair desse mesmo pântano? Estou confiante que sim, só não sei se consegue sair para terreno sólido, ou para outros pântanos.