Aquela rua nunca existiu na mente de alguém, apenas no imaginário de uma criança feliz com a sua liberdade. Nenhum canto escapava, nada passava despercebido. Os carros, os poucos carros que acidentalmente entravam numa espécie de portal, eram anunciados por cada ouvido presente nas casas. Altas para uma criança, com dois andares de altura para um adulto, as casas protegiam a rua. Como a realidade não lhe pertencia, as manhãs naquele espaço universal eram maravilhosamente movimentadas. As tardes tristemente envergonhadas. As noites, claustrofóbicas. As casas expulsavam os seus moradores, adultos e crianças, e a rua oferecia o seu conhecimento, a análise da vida, do momento, do passado e do futuro.
A criança, feliz, pertencia aquele mundo. As manhãs, as tardes, as quentes noites do verão imaginário participavam no palco que era a rua e em cada pedaço irregular da sua distância. E assim, a criança tornou-se diferente. Nasceu para ser mulher, mas cresceu para ser feliz naquela rua, curiosa, alerta, a saborear cada pedaço de conhecimento adquirido.
Estas pequenas frases de conto servem para anunciar que estas crianças, estas criaturas, estão extintas. Extinguiram-se com a pressa quotidiana, com o individualismo perpetrado diariamente, com o desaparecimento da curiosidade e da vontade de ser social. Como tantas outras espécies, o homem matou esta criança das décadas passadas. E, como castigo, vive dentro desta realidade sufocante que chamamos rotina quotidiana.