Out & Loud – Setembro 2019

Ma (Devendra Banhart)

Capa do álbum “Ma”, lançado no dia 13 de setembro de 2019

Antes de qualquer comentário sobre o 10.º álbum de estúdio do artista de ascendência venezuelana, podemos começar por admitir as saudades que tínhamos do seu universo. Depois de, em 2016, ter lançado Ape in Pink Marble, e tendo já uma discografia abundante, Devendra Banhart regressa com pinta, consistência e uma complexidade suavizada.

A primeira evidência de Ma são os vários idiomas que o compõem. Além do inglês, as palavras estendem-se até ao japonês, em “Kantori Ongaku“; português, com “Carolina“; e espanhol, em “Abre las Manos“. A segunda evidência aponta para os significados que o artista escolheu desenhar no alinhamento. Embora se cante sobre a morte, a perda, o amor e a vida, a construção instrumental das várias faixas oferece, sempre, um incansável sentido de aconchego, conforto e calma.

Todas as aventuras e desventuras surgem ponderadas com a quantidade ideal de doçura, serenidade e lentidão. “Memorial“, além de um excelente exemplo disso, é também um dos momentos altos do disco; tal como “Ami“, vestida a piano e saxofone, que tem toda aquela atmosfera que reconhecemos nas canções do cantor-compositor. Da mesma forma, “Love Song“, outro destaque do alinhamento, brinca um pouco com os nossos sentidos, mantendo-se igualmente fiel ao universo em que está inserida. Aparece disfarçada de “música de elevador”, mas desenrola-se em crescendo e assume a intensidade necessária para sobressair.

Taking a Page“, “My Boyfriend’s in the Band” e “Will I See You Tonight” — com a colaboração de Vashti Bunyan — são os restantes achados do disco. O 10.º álbum de estúdio de Banhart continua a trazer-nos a criança que ele sempre foi, mas numa mistura de maturidade (afinal, ele está quase nos 40) e vitalidade admiráveis. O mínimo que ele merece é ser ouvido, por meio das suas lições de vida — que parecem sempre desdramatizá-la.

Real Life (Emeli Sandé)

Capa do álbum “Real Life”, lançado no dia 13 de setembro de 2019

Além da voz poderosamente quente e soul de Emeli Sandé, que as suas cordas vocais produzem desde que a conhecemos, este terceiro álbum veio elevar a fasquia da sua carreira em todos os sentidos. Real Life é um verdadeiro oceano de empoderamento e honestidade.

Para escrever este trabalho, que contém o seu melhor conjunto de letras até à data, Sandé inspirou-se fortemente no processo de autoconhecimento que começara há cerca de quatro anos. Depois de visitar a terra natal do pai pela primeira vez — Zâmbia, no continente africano —, a cantora sentiu-se, de alguma maneira, mais completa e serena, com um sentido de conexão renovado.

Embora tenha lançado outro álbum (Long Live The Angels; 2016) durante todo este processo, a mistura entre gospel e a onda uplifting que preenchem Real Life permitem que o registo se destaque. Não se tratam de 11 faixas de excelência, que primam pela complexidade ou por um qualquer virtuosismo; mas possuem uma mensagem clara, transparecida com honestidade e boas vibrações.

Destaque para os generosos momentos altos deste registo: “Human“, “Shine“, passando por “Sparrow” e “Survivor“, indo até à cauda do alinhamento, com “Free as a Bird“. Perceber que estas canções pertencem todas ao mesmo disco torna a conclusão inevitável: Sandé encontra-se num período positivo da sua carreira, com a composição e a voz no seu melhor. A margem de progressão pode ainda ser muita, mas isso só deixa um rasto de curiosidade maior em direção ao futuro da artista.

No Fim Era o Frio (Mão Morta)

Capa do álbum “No Fim Era o Frio”, lançado a 27 de setembro de 2019

O mais recente trabalho discográfico dos bracarenses Mão Morta prova, sem qualquer pretensiosismo, que não é à toa que o grupo tem mais de 30 anos de estrada. No Fim era o Frio é um trabalho concetual, que explora o que de melhor existe no rock português e que dá forma a poemas verdadeiramente pertinentes.

Na descrição do disco, este apresenta-se como “despido de arranjos, lúgubre e frio, tal como o assunto do aquecimento global e da humanidade”. Além disso, declara-se “reaccionário e cheio de uma raiva contida, de desacordo musical com a situação mundial”. Pode parecer inacreditável, mas esta espécie de descrição na primeira pessoa é francamente certeira.

No Fim Era o Frio cumpre o que promete. E como o seu título pode sugerir, as previsões das narrativas que integram o alinhamento — incrivelmente descritivas, note-se — assumem-se pessimistas. Vão desde as estórias (ainda fictícias) sobre o “empurrão” que os oceanos, com as suas “ondas viscosas”, deram às populações, forçando-as a mudarem-se para as montanhas, até à chegada de extraterrestres ao nosso planeta.

O mais recente registo discográfico do grupo de Adolfo Luxúria Canibal não deve ser consumido com distrações à mistura. Merece que lhe dediquemos cada pedaço da nossa atenção e que escutemos com total entrega. “A Minha Amada“, a canção mais longa do álbum, com 11 minutos de duração, é um momento particularmente grandioso. Embora seja a penúltima do alinhamento, e muito bem antecedida por outros grandes momentos, destaca-se pela sua prosa poética crua, direta, mas cheia de detalhes, com momentos instrumentais estridentes e uma narrativa assustadora e muito atrativa.

Outras faixas, como “Um Ser Que Não Se Ilumina“, “Deflagram Clarões de Luz“, “Invasão Bélica” e “O Mundo Não É Mais Um Lugar Seguro“, acentuam a falta que uma banda destas faz no cenário musical português. Um grande momento para a banda e um belo presente para qualquer cidadão ou cidadã que esteja a par da crise ambiental que se vive na atualidade.

When it’s out, put it loud.

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