Rogue One: Uma História de Star Wars segue a ópera espacial de Star Wars, mas com um tom mais negro do que nunca e com novas e sumptuosas personagens.
Rogue One: Uma História de Star Wars passou por um processo intenso de refilmagens durante o passado verão, isto porque a Walt Disney Pictures queria manter o tom familiar, ligeiramente cómico e popularmente engraçado que se havia estabelecido com Star Wars: O Despertar da Força – estreado no final do ano passado-, um factor determinante no sucesso junto da crítica, do novo público e dos seus tão clássicos fãs. No entanto, o espírito deste Rogue One não é em nada perdido em relação ao sétimo capítulo ao incorporar exatamente algumas espalhafatosas piadas, mas tornando-se naquele que consideramos como o filme mais negro da série Star Wars, mesmo que tanto se queira impor como spin-off, e por isso, afora dos padrões genéricos da saga.
Não nos admiramos porquê é que George Lucas gostou tanto deste Rogue One aquando do privilegiado visionamento a que teve direito. Depois dos fracassados A Ameaça Fantasma e A Guerra dos Clones, Lucas retomaria o famosíssimo ‘dark side’ da série com Star Wars: A Vingança dos Sith, e semelhante nível é atingido novamente com esta aventura, primeira de uma trilogia de spin-offs que procurarão embarcar no Universo Galáctico mais distante do nosso tempo e espaço, e que, como já confirmado, irão explorar as peripécias de um jovem Han Solo (Alden Ehrenreich).
Rogue One apresenta uma narrativa livre de clichés, imediatamente percepcionados, embora facilmente compreensível, que transporta consigo uma emocionante e envolvente estética, que alia os filmes de guerra – quase quase a la Mel Gibson- aos filmes de horror, este último que é o código expressivo bem conhecido da mise-en-scène dos projetos do cineasta britânico de 41 anos Gareth Edwards. Aliás, foi ele o responsável pelo brilhante e raríssimo Monsters – Zona Interdita, a sua primeira obra, estreada em 2010, e pelo não muito interessante remake de Godzilla, em 2013. Na verdade, Rogue One consegue fazer (re)lembrar não só os primeiros filmes de Star Wars (sobretudo O Império Contra-Ataca), mas também casos como os de Doze Indomáveis Patifes (Robert Aldrich, 1967) e até, de certo modo, Valquíria (Bryan Singer, 2008). O primeiro focava-se num major do exército norte-americano, escolhido para liderar um bando de condenados numa missão suicida contra o exército alemão e o segundo no Coronel Stauffenberg (Tom Cruise), um orgulhoso militar alemão, é um oficial leal que em 1942 tenta persuadir os altos comandos do Leste a virarem-se contra Hitler e o derrotarem. Ambos, servem propósitos de rebeldes unidos, a coletividade, contra uma força implacável e mesmo que complicado combate-la à priori, não hesitam em arriscar as suas vidas para a salvação humanitária, numa consistente referência às revoluções antifascistas.
Entretanto, Edwards, mais maduro enquanto cineasta, consegue contar uma história que não se afasta muito de Star Wars: Uma Nova Esperança (1977), de quem é fã desde os 4 anos, isto pela participação, e repentina aparição, de algumas das personagens mais emblemáticas da série. Em simultâneo, dá atenção aos novos indivíduos da Rebelião, aqueles mencionados no capítulo IV, que fizeram sacrifícios a favor de um movimento, os verdadeiros heróis, com um papel determinante na destruição da Estrela da Morte. Ora, antes de Luke Skywalker (Mark Hamill), Han Solo (Harrison Ford) e Leia (Carrie Fisher), o ‘sonho’, como diz a enigmática personagem Saw Gerrera (interpretado por Forest Whitaker), procurou de ser salvo por um conjunto de desconhecidos, cujos feitos foram com eles transformados em meras e esquecíveis histórias. A trama oferece-nos informações suficientes sobre a improbabilidade de todas as suas personagens sobreviverem no final, e conquista-nos que profundidade emocional de cada um deles, tão distintos, mesmo que guarda-roupa seja sempre da mesma tonalidade azulada.
Sem revelar demasiado, em Rogue One somos introduzidos a Jyn Erso (Felicity Jones, nomeada ao Óscar por A Teoria de Tudo), uma jovem que foge às tropas imperais deste os 16 anos, ao seu pai e engenheiro Galen Erson (Mads Mikkelsen, o vilão de Doutor Estranho e ator da já terminada série Hannibal), que é feito refém do Império, e a um membro da Rebelião Cassian Andor (Diego Luna), com quem Erso é obrigada a formar aliança. São eles os principais sujeitos que irão questionar sobre que papel terão numa sociedade aterrorizada, em momentos de verdadeira magnitude poética, ao contrário de qualquer coisa que a galáxia cinematográfica tenha alcançado anteriormente. Num ritmo que nunca chega a cair no ridículo ou até no desnecessário, Rogue One é o filme onde o profundo impacto da morte e do insucesso é realmente sentido. Desde os seus minutos iniciais até aos últimos instantes, Rogue One mostra como a morte pode ser entendida num domínio privado como a relação próxima a um ente querido que partiu e, depois no domínio público, social e amplo, do extermínio de povos.
Rogue One, não é aquele tipo de spin-off ao estilo daquele que vimos no mês passado, nomeadamente com Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los, onde o peso do negócio e de uma indústria mainstream era necessário para alcançar maior lucro. Apesar de sabermos que esses propósitos não estarão longe dos objetivos da Lucasfilm, os comentários que Rogue One fazem são demasiado intimistas para que o consigam reduzir às receitas de bilheteira. Toda a sua estrutura narrativa é fundamental e, no final, dificilmente compreendermos a razão desta história não ter sido contada antes. Quiçá, o tempo do enfoque em ‘majestades’ terminou…
O peso da novidade de Rogue One é deveras impressionante e emerge, confortável e eficazmente, lado a lado, aos ocasionais momentos irónicos que advêm das referências à trilogia original. A execução nunca é deslinearizada e as texturas negras da realização são, passo a passo, traçadas com uma arrojada direção de fotografia de Greig Fraser, habituado a estas andanças das sequências de batalha, depois de ter integrado a equipa técnica de 00:30 A Hora Negra (Kathryn Bigelow, 2012). Destaque claramente para a sequência numa praia no planeta Scariff, que foi filmado localmente nas ilhas Maldivas (o filme também passou pela Jordânia e pela Islândia), transformadas numa base militar de operações, bastante isolada. Para além da fotografia, a banda-sonora de Michal Giacchino é constantemente notada, sendo equilibrada e maravilhosamente herdeira da apoteose de John Williams, e que não deixa de aproveitar-se de alguns elementos sonoros que serão novidade, como as cordas das guitarras, ao estilo western, que Giacchino também utilizara em Doutor Estranho. Os efeitos especiais são de um calibre impressionante, arriscando-se a superar qualquer dos outros trabalhos expostos no grande ecrã durante este ano. Edwards consegue limitar, porém, quaisquer extravagâncias, desenvolvendo um processo que é muito mais orgânico, muitas vezes com o recurso a maquetes e atores reais bem caracterizados. Não esquecemos, claro, algumas surpresas e presenças quiçá ligeiramente fantasmas, a deixar-nos boquiabertos.
A britânica Felicity Jones oferece uma interpretação estável e determinante na agora fulcral e inquestionável utilização de protagonistas femininas em filmes mainstream do género de ação. Depois de Daisy Ridley como Rey em O Despertar da Força esperemos encontrar características semelhantes noutros filmes da série, a que só falta juntar uma realizadora de peso. Esperemos que os passos dados pela Lucasfilm se mantenham, afinal a produtora é dirigida por Kathleen Kennedy um dos mais sonantes nomes da indústria de Hollywood, colaborada habitual de Steven Spielberg, por exemplo. O oposto de Jyn Erso é estabelecido pela personagem masculina desempenhada pelo mexicano Diego Luna, e embora não exista qualquer linha que aponte para um possível romance, a química entre os atores nunca perde o fio da meada. Não só Jones marca pontos, nesse sentido, como Luna consegue demarcar-se por não ser exatamente o típico arquétipo masculino de corpo musculoso e expressões ríspidas que encontraríamos num filme da DC Comics ou da Marvel (a ver Ben Affleck em Batman V Superman!!). O ator é bastante magro e até tem uma certa lividez no seu rosto, tão distinta da aura da grande celebridade de Hollywood, mas que não deixa de oferecer densidade e intensidade dramática à história. O mesmo que se o diga de Riz Ahmed como Bodhi Rook a acompanhar e integrar um elenco típico de filmes de série-B, mas que é dos mais diversificados do ano.
Temos tiros, sabres de luz, novos vilões (como o temível Krennic de Ben Mendelsohn), o majestoso regresso de Darth Vader, a palavra Força repetida vezes sem conta, um herói cego (WOW!!) e figurinhas que tentam encontrar o seu lugar no mundo, que tentam, de forma ténue, compreender qual é a relação que detém com o Outro – muitas cenas focam-se em duplas. A saga parece sempre encaixar as questões freudianas e psicanalíticas da constituição do Eu, e neste exemplo em específico os sonhos/memórias, em modo de flashback, de Jyn Erso retomam a questão do cinema de hoje: “de um de venho, onde estou, para onde é que vou?”. Só que a questão vai além e confirma a presença do conglomerado, da 1ª pessoa do plural, ‘Nós’ com a firme expressão “que a Força esteja connosco”.
Se é daqueles que pensa que Rogue One: Uma História de Star Wars será um filme com sequelas sem fim à vista, então engana-se. Rogue One afasta-se completamente das narrativas modernas da indústria, que teimosia regem-se por essas leis, que asseguram que as seus personagens não morrerão, não desaparecerão ou não encontrarão um fim, com um ponto final. É esse o ‘presente’ que Rogue One tem para oferecer aos fãs da série: uma experiência que supera quaisquer expetativas, e que aproveita-se do passado, sim, mas constrói algo de completamente novo, aquilo que muitas esperavam que O Despertar da Força fosse. Enfim, as questões da identidade podem estar numa galáxia muito, muito distante, mas que para nós, parecem-nos cada vez mais perto, onde temos que estar unidos e preparados para o que aí vem.
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“(…) uma narrativa livre de clichés” estás a falar a sério? É que isso já não é divergência, é gaffe, é de não saber o que funciona uma indústria e negá-la.