Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los

Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los tenta reerguer a magia da série Harry Potter, desta vez ao explorar as aventuras e peripécias de Newt Scamander, interpretado pelo vencedor do Óscar Eddie Redmayne.

Já se passaram cinco anos desde que o último filme de Harry Potter (o oitavo, Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2) estreou nas salas de cinema. Na altura, toda uma geração que cresceu com os livros da autoria da britânica J.K Rowling e com os filmes realizados por quatro diferentes cineastas Chris Columbus, Alfonso Cuarón, Mike Newell e David Yates via um capítulo da sua vida ser encerrado. Feitas as contas, Harry Potter tornar-se-ia a série de cinema com maior sucesso de todos os tempos, ao atingir uns tão surpreendentes 7,7 biliões de dólares em receitas de bilheteira em todo o mundo. Quase em simultâneo à estreia dos últimos dois filmes, um dos maiores estúdios de cinema, a Warner Brothers Pictures, com claro consentimento da autora, decidiu inaugurar o famoso parque temático ‘The Wizarding World of Harry Potter’, em Orlando, Flórida nos Estados Unidos da América. Além disso, no passado mês de julho estreou nos palcos londrinos “Harry Potter and the Cursed Child”, a peça de teatro de duas partes escrita por Jack Thorne e baseada na história da autora J.K. Rowling, de Thorne e do encenador John Tiffany, que viu igualmente o seu argumento publicado como o oitavo livro, até agora a obra mais requisitada nas livrarias neste ano.

Ora, como se não bastasse o maciço baú de dólares, euros e libras já alcançados, chega agora ao cinema mais uma aventura dentro desse universo com o título bem peculiar: Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los (que será o primeiro filme de uma série de cinco). O filme é baseado no livro de 2001, de J.K. Rowling – de apenas 64 páginas, sendo este essencialmente uma espécie de catálogo acerca das criaturas míticas que possuem poderes-, que é usado por Harry Potter e restantes colegas na escola de magia de Hogwarts. A narrativa do filme, no entanto, segue as peripécias do seu fictício escritor e excêntrico magizoologista Newt Scamander, 70 anos antes dos acontecimentos de Harry Potter, em 1926, na cidade de Nova Iorque.

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Newt chega à cidade americana para se dedicar ao estudo das exóticas criaturas que cataloga, no entanto, Nova Iorque não é mais uma cidade segura. O feiticeiro que escolheu o lado negro, Gellert Grindelwald (Johnny Depp) está desaparecido após ter causado estragos por toda a Europa, além disso, uma força misteriosa está a atacar a cidade (o seu nome Obscurus porque obviamente é uma força obscura) e o fanatismo dos SemMages (o pobre nome americano que corresponde aos Muggle) está a ser cuidadosamente alimentado pelos Second Salemers, uma espécie de seita contra as bruxas, liderada pela implacável Mary Lou (Samantha Morton). De facto, o ponto da situação é dado como nos filmes de Harry Potter, em que temos os jornais, com imagens literalmente fantásticas, a contextualizar uma época conturbada, numa América prestes a entrar na Grande Depressão.

Só depois é que Newt Scamander perderá uma ou outra das criaturas nos Estados Unidos da América e a ligação desse ponto do enredo às situações acima elencadas acaba por ser meramente acidental. Newt é o protagonista desconhecido e odiado por muitos, mas que na realidade acaba por salvar o dia e torna-se um herói tão desejado. Newt cedo conhece a ex-Auror Tina (Katherine Waterston), uma mulher pertencente ao Congresso Mágico dos Estados Unidos (MACUSA) e a sua irmã sedutora Queenie (Alison Sudol), que tem a impressionante capacidade de ler mentes e conseguir extrair delas alguns segredos, desejos e mágoas do passado; sem esquecer o muggle americano Jacob (Dan Fogler), que surge como o palhaço, o cómico estereótipo da personagem pequena e barriguda, e que lamentavelmente rouba o tempo todo para ele, além de ainda desenvolver um desnecessário interesse romântico com Queenie.

Monstro aqui, monstro ali, a narrativa de Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los não consegue ser tão fantástica quanto o seu titulo aponta, fora pleonasmos. Essas quatro personagens principais que até podem surgir quase sempre à luz, em cenários esplendorosamente iluminados, não conseguem transpor a verdadeira empatia com o público tanto quanto Harry, Hermione e Ron. Aliás, são sobretudo as personagens secundárias que, de uma certa maneira se destacam, nem que seja por aquilo que J.K. Rowling (que é também argumentista do filme) poderia ter extraído delas. Mary Lou (Samantha Morton) é uma malvada mãe adotiva para Credence (Ezra Miller), Chastity (Jenn Murray) e para Modesty (Faith Wood-Blagrove), cujos rostos se colocam sempre nas sombras. Na verdade, Mary Lou e Credence criam uma dupla um quanto interessante, uma vez que este último é várias vezes agredido pela diabólica matriarca. Nessa linha de potentes temáticas desaproveitadas (como preconceito, intolerância e repressão) surgirá também a personagem de Colin Farrell, o ator irlandês que quando se esforça, até consegue criar personagens fascinantes. Neste caso, o seu Percival Graves é um verdadeiro oportunista, que numa certa dimensão bipolar, consegue salvar o filme na maioria das cenas em que surge, ao utilizar Credence para atingir o sucesso e o poder. O problema é que a presença de Farrell em frente das câmaras seja no final sucumbida a um evidente interesse do estúdio e não consigamos perceber realmente quem ele é.

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Ainda no que diz respeito ao elenco, e porque parece que não se fala em outra coisa há já duas semanas, Johnny Depp surge numa participação muito especial como Gellert Grindelwald. A personagem cria, mesmo que em tão poucos minutos, o momento literalmente mais cómico de todo o filme, ao surgir com bem penteados cabelos e bigode louros e com um olhos azuis, que para alguns espetadores a participação do ator até pode passar despercebida. Pena que desde os seus últimos desempenhos (mesmo em Black Mass), Depp surja sempre num registo caricaturesco e bizarro. Na realidade, o ator encarna algumas personagens com muita alma – vejamos o caso de Charlie e a Fábrica de Chocolate-, mas os excessos de caracterização como no caso recente de Alice do Outro Lado do Espelho, tem tornando o ator alguém a já não se levar muito a sério. É como se se pedisse um disfarce de Carnaval e lá estive Depp todo janota para fazer rir o público. Aí existe logo um paradoxo, posto que J.K. Rowling parece não ter tomado conhecimento que Depp já não é o ator de sucessos de box-office como foi noutros tempos.

Um ponto distinto em relação à série Harry Potter é que Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los não introduz caras desconhecidas ao público. Aliás, a maioria do seu elenco é (re)conhecido de alguma forma por um ou outro projeto. O filme tem um atores ditos de primeira linha: Katherine Waterston (Steve Jobs; Vício Intrínseco), Dan Fogler (Não me Toques nas Bolas!), Alison Sudol (Um Homem com Sorte) Johnny Depp (Piratas das Caraíbas), Gemma Chan (da série Humans), Zoë Kravitz (Da Série Divergente) Ron Perlman (Hellboy), mas estes são um perfeito desperdício. Ninguém tem tempo para brilhar profundamente, porque o filme está mais preocupado em apresentar uma personagem ali outra acolá, talvez para estabelecer uma ponte com o universo potteriano.

O mesmo que se o diga da participação de Jon Voight, que só surge para contextualizar o ponto da situação e na tentativa de destacar a importância dos jornais na mentalidade dos leitores americanos da época, com o ator a desempenhar um magnata da imprensa ao estilo de Charles Foster Kane retirado do filme O Mundo a Seus Pés, de Orzon Welles. Tão pouco é explorada a relação com os seus dois filhos, um deles que até se tenta candidatar à presidência dos Estados Unidos.

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Em contraponto ao “líder” dos Muggles, existe a presidente do Congresso de Magia, a figura autoritária de Carmen Ejogo que procura combater os ‘tempos difíceis’ que abominam a indústria cinematográfica. A atriz de 43 anos que participou em Selma, mostra seriamente como a personagem de presidente (Madam President) pode ser desempenhada por uma mulher, numa altura em que o feminismo continua a ser mal interpretado. Por isso, vejamos como Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los acompanha os grandes acontecimentos cinematográficos de 2016, que não descansam enquanto não esclarecerem que o movimento busca apenas igualdade de géneros – a tomar atenção a Elle, de Paul Verhoeven ou O Que Está Por Vir, de Mia Hansen-Love, ambos com Isabelle Huppert como protagonista. Talvez Ejogo seja um espelho do que Hillary Clinton nunca chegou a ser (com um toque de Michelle Obama), num universo político que é maioritariamente masculino. Atente ao facto de serem quatro personagens: justamente dois homens e duas mulheres, nos papéis principais, como já referido. Eddie Redmayne, vencedor do Óscar por A Teoria de Tudo e nomeado por A Rapariga Dinamarquesa está bem como Newt, ao trazer alguns dos seus tiques nervosos para uma personagem que tem um passado conturbado.

No domínio técnico, os efeitos especiais não criam imagens esplendorosas, pelo contrário. No filme tudo surge com uma certa excessividade, muito ao encontro do que foi feito com as prequelas O Hobbit. Na verdade, a câmara de David Yates navega pelos cenários como se estivemos num videojogo, e os próprios monstros são introduzidos quase como num jogo RBG, num plano-sequência arrojado que esclarece a capacidade de cada um. Outras vezes a câmara ascende para expor a grandeza dos cenários totalmente computadorizadas. Salva-se um ou outro monstro que consegue ser fantástico, como o malandro e divertido animal que decide roubar jóias e muito dinheiro, ou outro que é uma espécie de macaco invisível.

Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los deixa de utilizar maquetes e gigantescos bonecos para criar criaturas mitológicas ou sequer de atores reais para interpretarem as mais estranhas das personagens, como por exemplo, duendes, preferindo em todos os momentos, recorrer descomedidamente ao CGI. Não há um alerta de ‘q.b.’, afinal, pensam eles, quanto mais melhor, o que chega a cansar os olhos do espetador.

Para finalizar, relembre que o segundo filme, como prometido, viajará desde o Reino Unido até Paris, com Grindelwald a enfrentar um muito mais jovem Albus Dumbledore (o único aliado de Newt quando este foi expulso de Hogwarts). Também podemos esperar, em alguns momentos, uma visita à Escola Americana de Feitiçaria Ilvermony, enquanto a segunda guerra mundial se aproxima (as sequelas vão desenrolar-se durante 19 anos). Em suma, é incrível pensar que Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los pode ser esticado em cinco filmes, e como muitas outras desnecessárias histórias ainda serão contadas. Talvez seja tudo como a mala que Newt leva de um lado para o outro: tenta-se enfeitiça-la com um encanto de extensão e prometem-se vistas extraordinárias. Esperemos apenas que os auto-proclamados fãs puros da série Harry Potter não sejam iludidos.

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