
Cantava uma música qualquer que tinha ouvido na televisão na noite anterior. Com a mão à cintura, esperava que a roupa acabasse de lavar na máquina. Lá fora ouviu os filhos a brincar, a gritar, provavelmente a molharem-se com a mangueira. Limpou o suor da testa; aquele verão tinha chegado inacreditavelmente quente, até para uma terrinha no interior do Alentejo. Era demais! A máquina parou e ela tirou a roupa. Com a bacia carregada nos braços, foi para o quintal. Gritou aos filhos para não gastarem tanta água, e eles pararam por segundos, mas depois ignoraram-na e continuaram as brincadeiras.
O anjo caiu no quintal enquanto ela estendia a roupa. Mesmo ao lado da bacia com os lençóis lavados. Ela olhou para o céu e depois olhou para ele, suspirando. O anjo levantou-se, sacudiu terra das asas e tentou pedir-lhe desculpa numa língua que ela desconhecia. Ela abanou a cabeça e levantou a mão, querendo dizer “não tem importância”.
Os meninos pararam de brincar e olhavam para a situação de boca aberta. Observavam o anjo a sair do quintal, a dirigir-se para a rua num destino desconhecido enquanto cambaleava como se estivesse bêbedo. A mangueira estava no chão, a gastar água. “Fechem a torneira!” ordenou-lhes ela. As crianças saíram do seu transe, fecharam a torneira e correram atrás do anjo, tentando tocar-lhe nas asas, empurrando-se umas às outras, às gargalhadas.
Ela deixou-os ir. Continuou a pendurar a roupa, pensando. Era a terceira vez que aquilo lhe acontecia naquele ano, anjos a caírem do céu e a aterrarem no seu quintal. Olhou para o céu, caso lhe caísse algum em cima. Abanou a cabeça. Não sabia o que se passava nas Alturas, mas calculou que Deus estivesse a limpar a casa.