Era inconsequente. Pensava, pensava e pensava. Todo o dia. Tentava recordar o que quer que fosse mas cada esforço transformava-se numa leve dor de cabeça que paulatinamente se apoderava dele. Então desistia, apenas por alguns momentos porque uma dúvida, uma interrogação lhe pesava. Quem era ele? E com tal questão levantava logo de imediato outras que também não sabia a resposta. De onde era? O que fazia? Porque estava ali? O que lhe aconteceu?
Desde que fora encontrado nas areias escuras de uma praia deserta, todos perguntavam o mesmo. Desconheciam-lhe a cara e da sua voz nada ouviam. Apenas sabiam que ele não pertencia àquela terra. Os locais estavam já habituados àquelas pessoas com os seus sotaques estranhos, tentando falar a sua língua mas não conseguindo mais do arranhá-la tentando fazerem-se sentido gesticulando ao ritmo da voz. Falavam hieróglifos. Por vezes eram entendidos e todos se tornavam humanamente iguais.
Foi assim por gestos que um casal entrou na pequena aldeia piscatória, um amontoados de casas humildes edificadas em comunhão com a areia e o mar. Gritaram por socorro e explicaram que aquele homem que encontraram inanimado nas areias que pisavam precisava de ajuda urgente. Logo os ajudaram pegaram nele levando-o para a casa da “doutora”, velha viúva de pele gretada pelo sal do mar que lhe levou o marido e os filhos. Tristeza tinha no coração e desde então combatia-a ajudando as maleitas daquela população, não por arte ou sabedoria, mas por amor e dedicação.
Deitado na cama, a “doutora” limpou-o e curou-lhe as feridas que ardiam na pele. Leves escoriações falavam de infortúnio e afastavam o cenário de uma guerra entre homens. Escorreu um pano de água morna pelo cabelo queimado pelo sol do jovem. Cortou um pouco de forma cuidar do golpe que tinha na nuca. Regularmente trocava uma toalha molhada em água fria pousada na testa. O jovem ardia, mexia-se num estado febril lutando e diabolizando-se. A paciência da “doutora” era veludo na sua existência enrugada.
A notícia daquele jovem depressa chegou aos ouvidos de todos. Todos se perguntaram e aos outros quem ele era, de onde vinha, o que lhe acontecera. Ninguém tinha resposta. Nenhuma leitura conseguiram fazer do local onde o encontraram, nenhum objecto ficou perdido à espera de ser encontrado. Com ele nada levava além da roupa indistinta, igual a todas as outras, camisola sem desenhos, calças de ganga, pés descalços. Ainda percorreram a costa em volta na esperança de algo se achar fora do normal. Nada parecia ter deixado ali aquele homem. Só ele tinha as resposta que se faziam.
Ao fim do terceiro dia a febre desistiu e ele alimenta-se finalmente. Aos poucos readquiriu as suas forças e lucidez. Com carinho e sabendo esperar como o melhor pescador, foi dele cuidando e testemunhando o breve renascer que ajudou a acontecer. Nada lhe perguntou e não o iria fazer enquanto soubesse ser altura. Ele foi-se levantando, ensaiando os movimentos como se acordasse de hibernação. Soltou as primeiras palavras quando ela dele cuidava. Agradecia e deixava-lhe dele tratar sem hesitar. Lia no olhar da “doutora” o afecto dedicado a quem sabe amar. Por tal sentia poder confiar totalmente nela.
Ao fim de uma semana, a sua expressão invariável alterou-se num sorriso para ela. Nesse instante a “doutora” perguntou-lhe.
– Sabes o teu nome?
– …Não. – Respondeu ele depois de uma pausa em que se procurou em vão dentro de si.
– Sabes de onde vens?
– Isso sei. De toda a parte.