A velha está doida

Quando eu for velha, mais velha do que sou agora, quero ser ainda mais doida que do que imaginei que seria. Ser velho não é uma condenação, mas sim uma postura que cada um decide. Existem pessoas que são novas de idade, mas têm comportamento de velhas, que se deixam levar com a maior das facilidades, não sabem enfrentar as barreiras e pensam que o mundo está contra elas. Não são só velhas como também parvas e o problema é exclusivamente delas. A teoria da conspiração funciona com quem acredita nela e o mundo não tem de se adaptar a cada um, mas, sim, o seu contrário.

O complexo do Peter Pan não funciona comigo porque eu quero viver todas as idades conforme me apetecer e conseguir. Ser eternamente jovem é ser cretino e não saber tirar proveito de tudo o que se depara para agarrar, é falta de discernimento. As responsabilidades doem, mas servem para ser aceites e cumpridas. Não são só os outros, são todos, nós e mais os outros nós até fazer o todo! Será assim tão difícil de entender?

Não me apetecia nada voltar a não ter dentes. Isso vai acontecer de outro modo, mas resolve-se com facilidade e não é aquele lento streap tease da boca que é assustador. Agora será de outro modo. A minha adolescência nem foi das mais complicadas e reconheço que até gostaria de voltar atrás, numa certa época e desfazer ou refazer certas situações. Não pode ser? Siga que já não interessa. Cheguei a adulta cheia de imperfeições e cometi muitos erros, mas sei que foram importantes para ser como sou. Admito.

Agora interessa o que vai e não o que ficou. Está marcado e não pode ser desfeito só que agora tenho o poder de decidir o que quero. Pode ou não acontecer, mas as variáveis são mesmo assim: variam. Escusam de me dizer que vai ser assim ou assado que eu é que decido. Posso ouvir o que terão para me dizer, mas o que farei só saberei na altura. Escuso de estar com especulações.

Não posso usar mini-saias, porque tenho uma certa idade? Quero lá saber! Não posso pintar as unhas de cores garridas e diferentes? Estou mesmo ralada! O cabelo tem de ser discreto? Pois. O que é isso de discreto? Não posso ou não devo tal e coisa? Quero que vão dar uma curva que eu é que sei! Ficam chocados? Azar de quem fica. São os tais velhos de mentalidade. Tristes.

Não esperem que vá cumprir certas regras que não considero corretas. Posso fazer tricot e crochet, mas isso já faço agora porque gosto. Contar histórias? Sempre gostei e espero continuar a ter capacidade de as inventar. Recatada no lar? Então não? Quando acabarem os muitos compromissos, estarei pouco tempo em cada local. Quero continuar a viajar, a conhecer outras pessoas e outras culturas.

A idade tem enormes vantagens e uma delas é a experiência e a força que ganhamos. Somos resistentes. Ganhamos imunidade a certas e determinadas contendas que não interessam. As desilusões vão continuar, mas perdem a intensidade que tinham e ficam arquivadas naquele arquivo morto que não interessa. As alegrias são mais brilhantes e duram mais tempo.

Quem disse que não pode haver paixão e amor? Enquanto a pessoa estiver viva deve usufruir de tudo a que tem direito. Viver em pleno e descontraída é um excelente mote. Se vão criticar? Claro que sim. Faz parte do espírito humano e nunca irá desaparecer. Não me interessa! Eu é que sei e isso é que tem valor.

Os mais novos vão dar muitas opiniões e todas muito certas, para eles. Sabem tudo e descobriram as pólvoras que eu já tinha descoberto. Podem dar-lhe outras roupagens, mas é o mesmo. Estão cheios de vigor e fazem bem, mas eu oiço e rio para dentro. Faz parte do crescimento.

A minha essência é única e não se repetirá. Nasci, cresci e estou a envelhecer. É dramático, eu sei. É a única forma de viver muitos anos. Não conheço mais nenhuma. Talvez os mais novos saibam, porque estão convencidos que sabem tudo. Deixá-los. Já aconteceu e vai continuar a acontecer. Pode ser uma porra, mas sabe bem sentir que os anos nos engrandecem.

Não digo que envelhecer é harmonioso porque não é, mas temos sempre a possibilidade de ser elegantes e dignos dessa passagem do tempo. Cada ruga é uma marca, uma testemunha de um certo acontecimento, cada cabelo branco é uma medalha e cada flacidez é um troféu que ganhei com muito esforço e luta.

Olho para as fotos de há uns anos e sinto que agora sou outra pessoa, uma outra eu que abandonou aquela nalgum sítio, perdido nos confins de qualquer lugar. Deixa-te ficar aí que esta não te quer de volta. Não posso dizer que morri, mas sinto que, de facto, renasci. Sei que nunca mais voltarei a ser a mesma e vou aproveitar esta nova oportunidade.

Esperem sentadinhos que me comporte como uma avó. Não nasci para ser vítima e estar sempre a queixar-me das agruras da vida. Já basta elas existirem, não preciso de as repisar. Posso fazer bolos, se me apetecer, mantas, camisolas, gorros e cachecóis, porque gosto e me apetece. Continuarei a ter gosto pelo vintage e o intemporal. O gosto altera-se para melhor.

Não vão ouvir da minha boca “no meu tempo” porque o meu tempo é agora e vai continuar a ser. Gosto de ser incómoda porque significa que estou viva. Dou a minha opinião e espero continuar a ter capacidade para o continuar a fazer durante muito tempo. Se virem que estou boa para deitar fora, estão à vontade para o fazer. Agradeço desde já.

Não sei o que esperam de mim, mas eu não espero nada e espero muito. Não faço planos porque a vida tem os seus e cruzam-se com os meus deixando a minha vontade para segundo plano. Mas quero ser uma velha desempoeirada, viva, ativa e participativa. Não me assusto com facilidade e quero tudo a que tenho direito.

Quem sabe o que o futuro me reserva? Talvez volte e pintar os lábios e faça tatuagens. Posso andar de mota e vestir de cabedal, com os cabelos, que me restarem, ao vento e saborear a vida em alta-definição. Posso descobrir novas paixões, ouvir outras músicas e fazer tudo o que me der na gana.

Outra vantagem de ser velho é deixar o politicamente correto de lado e chamar os bois pelos cornos, agarrá-los de frente e chamar os nomes todos. Vão-me prender? Força! Hei-de fazer-lhes a vida negra, gritar palavrões, insultá-los em várias línguas e obrigá-los a corrigir todos os erros que estiverem escritos. Quem fica preso? Eh! Eh! Eh! A minha pena será, de longe, menor.

Pois é. Já vai longa esta reflexão. Não esperem certas atitudes, mas esperem muitas outras, tantas quantas eu for capaz de ter e colocar em prática. E acima de tudo o que quero e espero é que estejamos cá todos para poder rir de tudo, para criticar e dizer que “a velha está doida”. Isso é que vai ser de valor!

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