Naquela tarde de primavera, entrou no jardim e tudo lhe pareceu devidamente aprimorado. Soltou de dentro de si o ar carregado de lembranças do passado e aspirou toda a paisagem verdejante, colorida e em flor. Escutou a brisa que brincava na copa das árvores ao som do canto dos pássaros e, ao longe, risinhos de crianças corriam com inocente atrevimento e faziam crepitar a gravilha. Todo um espetáculo apresentado pela natureza e em constante sincronizado movimento. Um verdadeiro banquete para a consciência. Com o rosto voltado para o sol e as mãos no peito, foi então que o confessou.
“Desejo tornar-me perfeita…” – sussurrou.
“E, por que não, perfectível?” – argumentou convicta uma voz atrás de si.
“Perfectível?!” – virou-se e retornou confusa.
Nunca tal tinha ouvido e o espanto na sua expressão transpareceu.
“Perfectível!” – repetiu – “Que pode ser melhorado ou aperfeiçoado!”
Concordou, serenamente pensativa…
Não dar por concluído o trajeto já alcançado. O objetivo inicial apresentado mediante uma nova perspetiva. Perder-se pelo caminho parecia-lhe agora fazer muito sentido. Aliás, mais. Uma infinidade de possibilidades. Uma porta aberta para a abundância daquele novo e oculto universo.
Deambulou pelo espaço em busca das palavras certas. Um último pedido antecedia com premente necessidade a despedida que se fazia presente. Acabara de chegar, parecia-lhe, mas o tempo escorre apressado sem que nada o detenha.
“Queria que me desses um abraço.” – declarou enquanto erguia o olhar do chão onde momentos antes pousara a coragem.
Encantada, acedeu risonha.
“Abraçar o inexplorado desconhecido…” – considerou.
Aguardou imóvel pela agradável vivência que, sabia, estava prestes a desfrutar.
Aproximou-se.
Envolveu-a com a alma numa bolha redonda e transparente onde não havia amarras nem artifícios. Diminuiu a distância que há muito os afastara e respirou o aroma adocicado dos seus longos cabelos numa espiral ascendente. Inspirou-lhe a essência, através daqueles fios negros e macios, que acariciou num murmúrio ternamente pronunciado.
Na imensidão do lugar, o cheiro colorido a flores inundava-lhes os sentidos que despertavam agora para uma nova estação, após tão gelado período invernoso. Deu continuidade ao harmonioso enlace depositando-lhe, ininterruptamente na face, o carinho que, constatava, os unia mesmo sem o saberem. Sentia o agradável reconhecimento resultante do encontro de ambos os corpos. Os beijos, um após o outro, ressoavam a brandura. Uma afeição instantânea que os cativou de imediato. Tocara-a através do surpreendente gesto.
Genuinamente!
Primeiro, com o afago confiante com que lhe depositava palavras inaudíveis que se embrenhavam numa mente em crescente ebulição. E, logo após, através dos seus profusos pensamentos, onde se lia pura sintonia. Conheceram-se no exato instante em que aquela forma de comunicação, leve e desprendida, neles ecoou. Surpreenderam-se, não só pelas poucas palavras trocadas, mas mais ainda por tudo o que em segredo ressoou dentro do entendimento de ambos.
“Tão bom…” – libertou pela atmosfera no silêncio demorado com que ambos os corpos se embalaram em reciprocidade.
Assim permaneceram durante algum tempo. Ela mantinha-se em bicos de pés sustentando a esperança de conter em si a magia do momento. Ele segurava-a pela cintura com crescente cautela e deleite. Provavelmente sentiam o mesmo: que o tempo era finito.
“Podíamos comunicar sem proferir um único som e ainda assim entendermo-nos perfeitamente.” – dissera.
Consentiu enquanto o observava. Sorria-lhe com o olhar profundo que advém da admiração pelo que não se conhece mas reconhece quando está à nossa frente.
Ao centro do imenso jardim, permaneceu finalmente aconchegada em si mesma. O longo e forte abraço, libertara-a da introversão onde a indiferença comanda e dá voz à paralisia do espírito. Construíra para os dois uma outra parte do caminho onde eram agora companheiros de viagem. Abriu os olhos e olhou ao seu redor. Com absoluta certeza compreendeu o que acontecera. Do sonho à realidade e na proporção inversa acabara de o testemunhar.
A perfeição de um momento perfectível!