“Não se esqueça: os amigos são para toda a vida!” “Cuidar dos animais é um dever, nunca os abandone!” “Não abandone o seu melhor amigo!”
São frases que todos nós já ouvimos e lemos nas várias campanhas de sensibilização que aparecem todos os anos, em especial pela época do Verão. São frases que, a olhar pelos dados disponíveis, caem em saco roto. O abandono de animais domésticos, nomeadamente cães e gatos, tem vindo a aumentar, estimando-se um crescimento de 22% face a 2017, segundo dados oficiais. Até agosto de 2018, cerca de 14.000 terão sido recolhidos pelos Centros de Recolha Oficial (CRO), anteriormente conhecidos como Canis Municipais. Contudo, este número fica muito aquém da realidade, na medida em que os organismos oficiais são insuficientes para dar uma resposta cabal. De facto, a introdução da lei de proibição de abate, sem que a questão da esterilização de animais errantes, mas não só, tenha sido levada a cabo na sua plenitude, ou sem que sejam já visíveis os resultados da mesma, concretiza-se num número crescente de animais carenciados de recolha.
Contudo, não são apenas os CRO (centros de recolha oficial) que lidam com esta questão. As Associações de protecção animal, também elas limitadas nas suas capacidades de recolha (espaço, sobre população, despesas de alimentação e veterinária), vêem-se a braços com pedidos diários de ajuda, numericamente superiores às adopções realizadas, pelo que o saldo é também crescente. Também alguns particulares, cidadãos comuns, agem no sentido de recolher alguns animais, ou pelo menos alimentar animais de rua, embora seja proibido por lei. Alguns destes chegam mesmo a tratar colónias, procedendo à sua recolha para esterilização, devolvendo-os à rua, mas garantindo a impossibilidade de ninhadas posteriores, que é como quem diz, minimizando o problema.
No foco desta questão, estão os animais, os mesmos que à luz da lei eram ainda considerados objectos até maio de 2017. Estamos ainda longe do reconhecimento da senciência que lhes é intrínseca. É neles que nos iremos focar, nas suas dores e sentimentos, e não precisamos ousar a personificação para lhes reconhecer essas capacidades óbvias. Por todo o país, casos como estes repetem-se, sem desconsideração pela localização, idade ou dimensão das associações que os albergam. Vamos viajar, seguros de que será impossível não nos emocionarmos, mas com o foco na crueza de uma realidade que urje resolver.
GANDHI
Medroso e triste, Gandhi, um podengo de cerca de 12 a 15 anos, foi avistado numa valeta. Apesar do seu estado debilitado, fugia dos voluntários que o pretendiam resgatar, pelo que não foi uma operação fácil. Uma hérnia perto da cauda, que lhe pressionava a bexiga, magreza extrema e algumas feridas na pele, para além de ter pulgas e carraças, foi o diagnóstico do veterinário para o qual foi de imediato levado. Surpreendentemente tinha chip, pelo que se conseguiu descobrir o seu dono de registo, um caçador.
O Gandhi terá sido dado a outro caçador e ter-se-á perdido durante uma caçada, mas o actual dono acabou por prescindir dele a favor da Abandoned Pets.
Gandhi teve que ser reabilitado num centro de treinos, onde revelou ser um animal meigo, sociável com machos e fêmeas e que aprecia a companhia humana. Apesar disso, encolhia-se com medo de agressão sempre que uma figura masculina pretendia tocar-lhe. Como é muito difícil a adopção de séniores, o Gandhi viveu alguns anos na associação, até que encontrou uma companheira canina, a Tota, com quem se dava especialmente bem.
Morreu velhinho e a Tota, a sua companheira, partiu 15 dias depois, eventualmente doente de saudade do seu Gandhi.
[toggle title=”Abandoned Pets, Associação pela Dignidade Animal – S.O.S – ADOPTA” state=”closed”]
Ano da fundação: 2013
Localização: Gultar/Braga
Nº habitual de animais: 30
Nº de Voluntários: 15
Contacto: abandonedpets.sosadopta@gmail.com
Site: https://abandonedpets.com.pt/pt/quem-somos/
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DÁLIA
Setembro de 2018. Dália (4 ou 5 anos de idade) vagueava pelas ruas de uma aldeia. Sem origem definida, pensa-se que terá vindo de um bairro problemático. De aspecto deplorável, com o pêlo em péssimo estado, com falhas que expunham crostas e uma pele rosa doente, de olhar perdido, deambulava pelas ruas, sendo enxotada ou, quanto muito, recetora de olhares de pena e dor. A exposição do caso nas redes sociais deu origem a uma onda de pedidos de ajuda e recolha. A Associação Kausa Animal iniciou as operações de captura, juntamente com um senhor habituado a estes casos difíceis. Por causa dos maus tratos que vivera até então, Dália não se deixava apanhar facilmente.
Foi recolhida, mas, pelo pânico que tinha relativamente aos humanos, foi muito difícil de observar. Foi diagnosticada com sarna e dirofilariose (vulgarmente conhecida como verme do coração), constituindo um quadro grave. Dada a impossibilidade decorrente de ser internada na box da clínica pelo seu comportamento, foi levada para a Associação Kausa Animal, onde foi mantida numa jaula de contenção de maior dimensão. Posteriormente, foi-lhe confirmada uma gravidez, mas, devido ao estado de saúde crítico, foi desaconselhada a esterilização. Em novembro, nasceram 4 cães, no entanto, apenas um se mantêm vivo.
Tem vindo a recuperar das mazelas físicas, mas é ainda uma cadela muito receosa, não permitindo a aproximação de ninguém, com excepçao da voluntária Elsa, que dela trata. É, no entanto, uma mãe muito cuidadosa do seu filhote Pip, que dormita calmamente na cama de ambos, indiferente à agitação maternal. Dália ladra, temerosa, aos estranhos que se aproximam.
Neste momento, está prestes a terminar o tratamento, tendo que ser submetida a uma última injecção, o que não se vislumbra ser tarefa fácil. É um passo imprescindível à recuperação total, mas poderá pôr em causa o trabalho conseguido até aqui e que só foi possível graças à difícil confiança que ela tem na voluntária. Uma anestesia pode ser demasiado traumática ao ponto de contribuir para um retrocesso na confiança.
Dália pesa uns generosos 10 kg e o pelo alourado já cobriu quase a totalidade do seu corpo, mas tem ainda um longo caminho a percorrer até ser adoptável. É necessário promover a aceitação humana, o que se espera que venha a ocorrer com o tempo e a paciência que a Elsa lhe dedica.
VIOLETA (sem fotos)
Violeta vivia com a sua dona, já idosa. À morte desta, foi entregue num canil municipal da área da grande Lisboa, tendo deixado de comer. Perante todas as tentativas falhadas dos funcionários do canil municipal para a fazer alimentar-se, a Kausa Animal foi contactada no sentido da possibilidade de a receber, para se poder proporcionar um ambiente mais familiar.
Mantendo-se o desinteresse alimentar no canil da associação, a Violeta foi recolhida na casa de uma das voluntárias, tendo livre acesso a toda a casa e sendo-lhe inclusivamente permitido dormir na cama desta. No entanto, Violeta só ficava na janela, olhando o exterior, provavelmente à procura da dona perdida.
Uma semana depois, também Violeta partiu…
[toggle title=”Associação Kausa Animal de Portugal” state=”closed”]
Ano da fundação: 2010
Localização: Alverca do Ribatejo
Nº habitual de animais: 350
Nº de Voluntários: 30
Contacto: geral@kausaanimal.org
Site: www.kausanimal.org
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NATAL
Um cão de 13 ou 14 anos, com uma extensa perda de pêlo e dentes em muito mau estado, foi deixado, amarrado numa casota, à porta do canil. Foi-lhe dado o nome de Natal, alusivo à época em que foi abandonado. Pelas suas condições físicas, não pode permanecer no canil, tendo sido recolhido na casa da tratadora, que percebeu que o cão já tinha vivido numa casa, por ser asseado e educado.
O diagnostico veterinário detetou uma alergia à picada de pulga, dentes e gengivas muito danificados, que para além do hálito, provocavam dores na mastigação. Para além destas situações visíveis a olho nu, foram ainda detectados problemas cardíacos. Dada a necessidade de um acompanhamento permanente, tratamento de 9 meses e consultas frequentes, o Natal esteve numa fat (família de acolhimento temporário) em Lisboa, onde pode conviver com 2 cadelas grandes, que usufruíram do seu charme de Don Juan.
Felizmente, ao fim de 7 meses, alguém que queria adoptar especificamente um sénior interessou-se pelo Natal. Adoptou-o e deu continuidade aos tratamentos do coração, bem como à extracção dos dentes deteriorados.
Actualmente, o Natal, agora Obi, terá cerca de 15 ou 16 anos e prova diariamente, contra todas as ideias erroneamente feitas, que a adaptação a uma casa (ou a várias, no caso) não é exclusivo dos cachorros.
Obi é um cão sociável, que já viajou de avião para a Bélgica e brincou na neve, mostrando que nunca é tarde para renascer.
[toggle title=”Associação S.O.S. dos Animais” state=”closed”]
Ano da fundação: 1986
Localização: Moura, Baixo Alentejo
Nº habitual de animais: 60/70
Nº de Voluntários: 3
Contacto: +351 965079464
Site: http://sosdosanimais.wix.com/moura-org
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MARLEY
Em novembro de 2018, Marley foi encontrado deitado no chão sem se conseguir mexer. Não se sabe exactamente o que terá acontecido, talvez um atropelamento seguido de abandono. Tinha a bacia partida e uma das patas partida em 5 partes. Foi necessário operar de imediato, para evitar a amputação da pata. Uma intervenção que demorou 3 horas, para a colocação de ferro. Após a operação, o Marley entrou em depressão, deixou de comer e desenvolveu uma pneumonia.
Num Raio-X de controlo, descobriu-se que alguém terá disparado sobre o Marley, uma vez que foi detectada no seu corpo uma bala muito próxima da coluna vertebral. Nesse mesmo Raio-X, verificou-se também que o diafragma sofreu uma ruptura, provavelmente causado pelo acidente, o que faz com que os seus órgãos se encontram dispostos de forma diferente do habitual, encontrando-se os intestinos demasiado próximos dos pulmões. Algo que lhe causa alguns problemas cardíacos e tosse. A situação seria operável, no entanto, estima-se que a probabilidade de sobreviver seria apenas de 5%.
Apesar das dificuldades físicas que apresenta, nada o impede de ser um cão feliz e acerca-se dos voluntários frequentemente em busca de colo e carinho, de cauda a abanar.
[toggle title=”Associação Cantinho Animais Açores” state=”closed”]
Ano da fundação: 2012
Localização: Ponta Delgada, S. Miguel
Nº habitual de animais: 30
Nº de Voluntários: 6
Contacto: cantinhoanimaisacores@hotmail.com
Site: associacaocantinhoanimaisacores.blogspot.pt
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SANCHO
O Sancho, 1 ano de idade, 5 kg, vivia num terraço diminuto, preso, sem conseguir abrigar-se na casota, dada a curta extensão da corrente. Sancho é um cão albino e tem uma melanina muito baixa ou inexistente, pelo que é mais vulnerável à luz solar. Essa característica torna-o mais propenso a queimaduras, cancro de pele ou mesmo cegueira.
O local já tinha sido visitado pela PSP e a Associação procurou sensibilizar a dona para a melhoria das condições, mas sem sucesso. A dona terá alegado que na casa vivia um bebé que tinha medo do cão, para além de que este estragava tudo. O Sancho acabou por ser resgatado e encontra-se actualmente numa clínica, para ser desparasitado e castrado e poder ser adoptado.
BÓRIS
Por esta associação passou também o Bóris, cão adulto, que viveu sempre acorrentado a uma árvore e a dormir na terra enlameada. Terá sobrevivido graças aos vizinhos que ocasionalmente o alimentavam. Apesar disso, ou na sequência disso, é um cão amoroso, sociável e muito carente.
Bóris vive agora feliz, ao colo da família que não se inibiu de adoptar um adulto com um passado difícil. Tudo para ele é novidade: passear, ver os carros a passar, pessoas a conversar. O passado ficou para trás e o Bóris adaptou-se perfeitamente à nova vida.
[toggle title=”Ajuda a Alimentar Cães” state=”closed”]
Ano da fundação: 2014
Localização: Ilha da Madeira
Nº habitual de animais: 100
Nº de Voluntários: 3
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Chegará o tempo, em que o homem conhecerá o íntimo de um animal e, nesse dia, todo o crime contra um animal será um crime contra a humanidade.
– Leonardo da Vinci
Casos como estes ocorrem por todo o lado, muitas vezes na vizinhança, outras vezes em locais onde passamos habitualmente. Se estivermos atentos, podemos ajudar a resolver estas situações, tentando, por um lado, sensibilizar os donos ou, em situações limites, efectuar a denuncia. O Sepna é a entidade a quem devem ser participadas situações de maus tratos, informando local exacto, para que a mesma se possa aí deslocar e questionar o possível infractor.
[box type=”note” align=”alignright” class=”” width=””]
Contactos Sepna
E-Mail: sepna@gnr.pt
Telefone: 21 3217000 (geral)
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Outros contactos poderão ser efectuados para o Centro de Recolha Oficial, requerendo a busca de animais. Esta questão terá sido muitas vezes evitada, quando o abate era praticado, findo o prazo de reclamação, ou quando o animal, pela sua debilidade ou idade avançada, era considerado prioritário. Contudo, tendo deixado de ser praticado o abate, é uma opção válida, muito melhor do que deixar o animal, muitas vezes doente, a vaguear sem rumo.
As associações, bem como alguns particulares experientes, são muitas vezes a primeira linha de auxílio, embora não tenham qualquer apoio estatal ou municipal. Contudo, sofrem também a incapacidade de resolução de todos os casos existentes. Na maioria das vezes, são formadas por voluntários, que estudam ou trabalham, que têm família e vida própria, mas que ainda assim disponibilizam parte do seu tempo para esta vocação. Há, no entanto, várias formas de apoiar as associações, como sendo sócio e pagando quota anual, ou participando em campanhas de recolha de ração em supermercados, efectuando acções de sensibilização nas escolas para educação das futuras gerações, efectuando recolha de cobertores ou materiais de construção entre amigos, criar páginas de divulgação ou ser fat (família de acolhimento temporário). Bastará procurar conhecer, na sua zona de residência ou trabalho, as associações, muitas vezes pequenas e com dificuldades de divulgação, e perguntar como poderá ajudar na causa.
A maioria dos animais que chegam aos abrigos necessita de cuidados veterinários e estas despesas têm de ser pagas, embora possam ser efectuados acordos sociais com algumas clínicas. Caso conheça a associação e confie no seu trabalho, poderá também contribuir, na medida das possibilidades, no pagamento das mesmas. Também a maioria dos animais não é esterilizada, pelo que é necessário proceder a essa intervenção, por forma a inibir as ninhadas posteriores.
Embora muitas pessoas estejam já sensibilizadas para a adopção de animais de canis (que o são porque alguém falhou ao longo do processo, e não porque sejam animais de 2a escolha), há ainda muito preconceito quanto à adopção de adultos ou idosos. Um animal adulto (mais de 1 ano) já tem uma estatura definida, bem como a personalidade, e está já ultrapassada a fase de destruição, causada pelo despontar da dentição. Para além disto, os animais adaptam-se e aprendem a viver em casa, em qualquer idade, sendo que um animal com passado de abandono será eternamente reconhecido. Se não pode adoptar, pode optar pela solução intermédia que é o apadrinhamento, em que o animal permanece no abrigo, mas é criada uma relação de proximidade, permitindo visitas, passeios, e eventual futura adopção, mediante uma pequena contribuição mensal. O objectivo é retirar o animal do seu quotidiano de box e divulgá-lo no exterior.
Este é o mundo que temos. Podemos limitar o nosso raio de visão aos animais que têm bons donos, aos animais de criadores de raça, ao mundo canino cor-de-rosa, procurando acreditar que é a realidade geral. Em alternativa, se formos corajosos, podemos encarar estes casos, usar as nossas forças e fazer a diferença, nem que seja para um único animal abandonado.
Deixo-o com esta questão: preparado para ajudar?
Cara Sandra
Obrigada pelo artigo. Foi bom ler algo que mostra um lado amoroso de quem se percebe adorar animais, mas também toda a informação fornecida relativamente à alteração da lei de abate de animais em “canis”. O
Obrigada eelos conselhos em como ajudar e de quem contactar.
Partilho a sua paixão pelos animais e sigo de perto o trabalho de algumas associações de quem admiro o trabalho e dedicação muitas vezes no seu próprio limite.
A divulgação é essencial.
Continue o bom trabalho.
Sandra Cana Verde
Obrigada e um beijinho