Olho-te. Já não me conheces, por isso eu olho-te, e acaricio-te a cara, enquanto dormes, porque senão ficas com medo de mim. Antes lembravas-te de nós noutros tempos que agora parecem ter evaporado da tua alma. É como se não tivessem existido. Como se não tivéssemos existido e tudo o que eu pensei ser a minha vida fosse apenas um sonho. Se não fossem as fotografias, começaria a duvidar das minhas próprias memórias e do calor do nosso encontro.
Penso em quando te conheci, na casa de algum familiar meu. Nem precisei ver-te. Assim que ouvi o teu riso atrás de mim, soube que ia amar-te para sempre.
Toco-te no ombro, aperto-o devagar para não te acordar, mas com vontade de te abraçar e levar comigo. Só consigo pensar que a cama é fria sem ti. Pode estar cheia de cobertores, mas é fria e incompleta. Como se fosse cortada ao meio, ou manca. Sem sentido. Como se deixasse que os ventos da solidão soprassem tristeza para a nossa alma. Sem sentido.
Ainda me lembro da primeira noite que passámos juntos, de quão perfeita passou a ser a hora de deitar desde o momento em que te apoderaste da minha vida. O momento mais perfeito do dia. O teu peito subia e descia enquanto te aninhavas junto a mim, de olhos fechados e com o sono a envolver-te. Eu não adormecia logo. Ouvia-te. Ouvia mesmo o teu íntimo, ouvia o que não controlas, o que te faz viver. O mundo podia acabar lá fora, ficar branco de neve e saudade, sem cor, mas a tua respiração era quente e nenhum frio entrava pela nossa janela.
Agora pergunto-me se o que nos faz viver é o coração ou se é a cabeça. Realmente vivos, não só a respirar. Pergunto-me se continuamos vivos quando toda a nossa vida se esvai em memórias perdidas, e a resposta assusta-me porque não te quero ver de outra forma. És a minha mulher, ainda és a minha mulher.
Abres os olhos e eu afasto-me. Sorris-me. Ris-te, ris-te a sério, com a vontade de outros tempos melhores em que te sabias feliz e eterna. O som do teu riso, daquele teu riso brilhante que fez com que eu ficasse para sempre dependente da tua felicidade. Ah, esse riso.
Choro.
Neste mesmo dia decido que é hoje. Vou levar-te para casa, e vamos voltar à nossa vida. Nem que seja por umas horas, ou por uns dias. Mesmo que já não me conheças e que eu tenha que fingir que estou bem. Nada disto importa porque hoje vais voltar para a nossa casa.
Choro, e não pareces confusa, só sorris. Como se tudo fosse perfeito. Como se soubesses que vais voltar.
Choro porque não ouvia a tua alegria há muito tempo, e com esta idade antiga, que me ameaça a cada segundo, só vivo por estes pequenos momentos. Estes momentos mantiveram-me agarrado à nossa cama incompleta que ainda espera por ti, mesmo que a almofada me dissesse que não voltarias. Sempre me recusei a ouvi-la, e continuei a esperar-te sem esperança mas com toda a ansiedade que há em mim.
E hoje vais voltar.
hace mucho que no te leo, por falta de tiempo, hoy estoy aqui, disfrutando de tus relatos, solo con mi cama incompleta.
Gracias
Me alegro que te haya gustado, y que lo hayas entendido bien. Un beso fuerte