Na história da literatura, a liberdade de escrita feminina emerge como um fio dourado, tecido delicadamente ao longo dos séculos. Nas páginas do passado as vozes femininas eram sussurros subjugados. As suas palavras jaziam como pétalas ocultas sob sombras austeras. Hoje, renascidas, irrompem em chamas de coragem e autenticidade. Ousadas e resilientes, tecem narrativas desafiadoras que ecoam a essência da feminilidade contemporânea.
Ainda bem que são lidas e que as podemos ler.
Palavras que voam. Palavras que ficam.
Ainda bem que têm liberdade e poder para se expressar livremente. Para voar além das restrições e imposições da sociedade.
Tem sido uma caminhada marcada por desafios, resistência e triunfos, reflexo não só da evolução da escrita feminina, mas também da procura incessante pela emancipação em todas as esferas da vida.
À liberdade, erguem-se muros de desafios que se têm enfrentado, desde limitações sociais, censura, até exclusão, impondo barreiras à plena realização.
Nas páginas dos livros, os discursos femininos encontram refúgio, transformando a escrita num veículo poderoso de libertação e autodeterminação. No entanto, cada obstáculo foi um catalisador de resistência, incitando à luta que se apresentou inabalável em prol da liberdade de expressão.
No século XIX, Jane Austen, George Eliot e as irmãs Brontë (Anne, Charlotte e Emily) superaram anos de tradição. Desafiaram as normas sociais ao retratar de forma franca e satírica a vida das mulheres numa sociedade conservadora. No entanto, foi no século XX que viram a sua escrita florescer em toda a sua diversidade e profundidade. Virginia Woolf desafiou as convenções literárias e sociais, explorando as complexidades da mente humana e a procura pela identidade. Levantou a cortina de um mundo invisível, abrindo caminho para a liberdade de expressão na literatura e na sociedade.
O seu ensaio Um Quarto Só Seu remete para a luta feminina pela sua independência, resultado de várias palestras às sociedades literárias. Denuncia a desigualdade de género na literatura e na sociedade, argumentando, vigorosamente, as necessidades de independência financeira e de um espaço exclusivo às criações literárias, propício ao florescimento intelectual feminino.
Um teto, um quarto, um espaço livre todo seu. Das mulheres. Privado.
Um quarto que lhes proporcionasse liberdade criativa. Independência financeira para progredirem.
Mas será que, a independência financeira lhes proporcionaria liberdade de pensamento?
As mulheres estavam reféns da sua condição, mas precisavam de viver, livres, ainda que numa silenciosa solidão.
É amplamente reconhecido que a escrita foi uma forma de libertação das mulheres que, por muito tempo, tiveram de escrever anónimas, se queriam que as suas escritas fossem divulgadas. Mais tarde, num ato de desespero, rompem com os paradigmas que as subjugam. Emancipam-se através do Movimento de Libertação das Mulheres (MLM), constituindo um exemplo flagrante, as “Novas Cartas Portuguesas” e o “Processo das Três-Marias”. Esses movimentos emergiram das perspetivas críticas feministas e dos testemunhos de escritoras como Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Maria Velho Costa e Madalena Barbosa. Escreveram um livro “a seis mãos”. Mãos de mulheres astuciosas que desafiavam a dimensão política da época, pois Portugal era dominado por uma ditadura fascista, sem nunca revelarem a autoria parcelar dos textos de Novas Cartas Portuguesas. Já no início de 1972 decidiram pôr termo ao conteúdo das mesmas por ser considerado «pornográfico» e «atentatório».
No entanto, continuavam a sua luta, «sós, mas menos desamparadas».

A escrita de autoria feminina e a sua luta pelo reconhecimento continuam. As vozes femininas estão, sem dúvida, muito mais poderosas hoje, mas infelizmente, ainda enfrentam desigualdades persistentes. Muitas delas usaram a escrita para denunciar essa desigualdade e continuam a fazê-lo, embora seja encorajador notar que há vozes masculinas que já escrevem em apoio das mulheres.
Durante muito tempo, muitas escritoras usavam pseudónimos masculinos para que as suas obras fossem publicadas. Temos alguns exemplos: Amantine Dupin (conhecida como George Sand), Mary Ann Evans (com o nome de George Eliot) e a Marquesa de Alorna (que escrevia sob o nome de Alcipe). E, a este nível, lembre-se como a Marquesa de Alorna desempenhou um papel importante na promoção de novas formas de interação social nos salões culturais da época. Culta e muito curiosa, ninguém melhor que ela compreendia o progresso literário do século, mas ela nunca foi compreendida.
A Marquesa de Alorna tinha uma visão progressista e defendia a liberdade de pensamento, bem como a dignidade e o papel das mulheres na sociedade. A sua influência perdura até hoje, refletindo na sua vida uma batalha contínua pela liberdade de expressão e reconhecimento. No entanto, como aconteceu com muitos outros poetas e escritores, as suas obras só foram publicadas após a sua morte e muitos outros trabalhos foram perdidos ou deliberadamente apagados.
Algumas mulheres notáveis destacaram-se pelas suas diferenças. Entre elas, Florbela Espanca que frequentou a universidade numa época conservadora; Natália Correia, poeta, romancista e ativista social; e Maria Teresa Horta que foi processada e julgada durante o Estado Novo. Enfrentaram a censura, desafiando uma sociedade repressora.
A história de Alcipe inspirou a sua quinta neta, Maria Teresa Horta, que pela sua mão, conquistou notoriedade em Portugal. Através de uma escrita interventiva, explorou e continua a explorar temas semelhantes, apesar de viver, atualmente, num período mais favorável à liberdade de expressão. Ambas partilham uma ousadia poética e biográfica, desafiadoras das normas sociais.
No entanto, a luta pela liberdade de escrita de autoria feminina está longe de terminar. Em muitas partes do mundo, as mulheres ainda enfrentam ameaças à sua liberdade de expressão, seja através de censura governamental, violência de género ou ostracismo social. É imperativo que continuemos a defender e promover espaços seguros e inclusivos para todas as vozes femininas, reconhecendo o poder transformador da escrita como uma ferramenta de emancipação e mudança social. À medida que contemplamos a sua caminhada, somos lembrados não apenas das lutas do passado, mas também das possibilidades infinitas do futuro.
Assim, os movimentos femininos desempenham um papel fundamental na criação de uma nova narrativa histórica que coloca as mulheres como agentes principais em processos sociais, políticos e económicos de grande importância.
Apesar de algumas mudanças ao longo do tempo, é essencial reconhecer o árduo percurso e os desafios enfrentados quando se fala de literatura escrita por mulheres.
O mundo está em constante evolução e a liberdade de escrita feminina permanece como uma luz orientadora, iluminando o caminho em direção a uma sociedade mais justa, igualitária e verdadeiramente livre.
Emergindo das cinzas da opressão, a escrita feminina resplandece.
Renova-se e desafia-se. A caneta da mulher é uma rosa a desabrochar que perfuma o mundo com a sua singularidade e coragem. Cada palavra escrita é uma onda que quebra as muralhas da justiça, esculpindo novos horizontes de liberdade e empoderamento para as gerações vindouras.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
Muito bom!
Muito obrigada, Paula!
Uma reflexão importante e ainda tão necessária. 👏
É mesmo. Continuamos na luta pelo reconhecimento. Muito obrigada!
Crónica de leitura obrigatória por todas e todos nós.
Leitura e leituras à volta de um assunto premente. Muito obrigada, Laura
Excelente artigo!! Parabéns Elizabete!
Muito obrigada, Joana pela tua apreciação!
Temos de continuar, porque ainda há muito a fazer. Continuam a ser partenalistas e condescendentes connosco.
Mesmo, Olinda. É uma verdade incontornável. Muito obrigada por partilhares o teu parecer.
Sim, Olinda. É uma verdade incontornável. Muito obrigada por partilhares o teu parecer.
Muito bem! Parabéns!
Muito obrigada, Cidália, por me leres!
Muito obrigada, Cidália, por me leres e partilhares o teu parecer.