Resgatar a nossa relação com o tempo talvez seja um dos grandes desafios dos tempos modernos em que parecemos viver alheios de nós próprios, num open space, sempre contactáveis e ligados à rede, com pressa de ir a algum lado [ou a lado nenhum] ou de fazer coisas, privando-nos a nós próprios de testemunhar e ser protagonistas do espectáculo da vida, em silêncio e em contemplação. E é esta correria destravada do dia-a-dia, ao som do ruído, que nos dificulta a paragem na estação do silêncio, a tal pausa necessária para prestar atenção, ler a nossa bússola interior e prosseguir a jornada sob a orientação da nossa agulha magnética.
A isto chamaria a audição dos lugares, a nossa capacidade de nos deixarmos inspirar por onde passamos, de apreciar e de ver para além do olhar, para além daquilo que está à nossa frente, tal como quando se olha para uma árvore, que, muito mais do que um tronco e ramos, está enquadrada num quadro vivo, pintado de céu, luz, Lua, cor, Sol, envolta pelo som do silêncio, que nos transporta para muito mais longe… Através dessa árvore é possível ouvir a [nossa] sua busca de luz e de algo maior, lentamente e em constante renovação. A árvore da vida.
Acredito que perfurar as camadas da distracção e do automatismo para escutar o silêncio é um exercício que tem tanto de penoso como de corajoso, porque requer, por vezes, um afastamento e uma condução em contramão, com o risco do confronto impactante… porventura, com nós mesmos, com os outros ou com as nossas escolhas. Mas também creio que, quanto mais ouvimos os silêncios, menores serão os riscos dos impactos e maior será a alegria de viver, pois a escuta activa permite-nos ter a consciência da nossa dimensão e do lugar que ocupamos no tempo e no espaço. É esta noção da nossa dimensão que nos permite viver em modo manual.
O silêncio, a meu ver, é a voz que nos pode transformar e enriquecer, elevar a nossa capacidade de criatividade e de reinvenção, de renovação e de descoberta, de tolerância e foco, trazendo aos dias mais primaveras e dando leveza às nuvens, essa coisa que parece apenas carregar o peso da chuva, mas não… Julgo que será aqui que reside a alegria, nutrida pela beleza da leveza do nosso olhar interior; pelo espanto e autenticidade; pela abertura e aceitação; pela simplicidade e pela transformação da nossa interioridade… tudo ao som e ao ritmo do silêncio e que só o silêncio nos pode dar. Ao som da nossa música.
Ouvir o silêncio, penso que é utilizar os nossos recursos interiores para fazer a nossa maior viagem, para dentro… Esta, sim, acredito que poderá ser a mais aventureira e aprazível viagem a que nos podemos – e devemos – permitir, numa jornada em que é possível encontrar todo o tipo de paisagens, de sabores e saberes, de sentidos e de sentido. Uma aventura sem igual, iluminada pela nossa luz própria, sem sair do lugar onde estamos, contrariando a desertificação da vida interior.
Se fosse assim tão fácil, estaríamos todos no paraíso. Mas acredito que é possível. Aqui e ali, se escutarmos o som do silêncio, a viagem terá mais encanto e fará mais sentido…
Porque é que viajamos? Para sair ou para entrar?