Lá estava ele de novo, à minha porta de casa, esperando que eu saísse para o trabalho.
“Outra vez aqui, senhor Leopoldo?”
“Oh, menina! Sabe que não consigo resistir à sua beleza, faz-me lembrar a minha mãe que era a mulher mais bonita e digna que eu conheci! Estou a dizer-lhe, a menina podia ser a reencarnação da minha mãe, tais são as parecenças! Nem a minha mulher era tão bonita, menina!” sorria ele, e cumprimentava-me tirando o chapéu da cabeça.
Eu abanava a cabeça e sorria. Já conhecia aquele homem de gingeira. Tinha idade para ser meu avô, mas nem assim me deixava sossegada. Como é que não poderia sorrir com aquela lenga-lenga toda, com aquelas histórias e aqueles engates? Achava-o engraçado, e ele sabia, por isso é que eu não conseguia que ele me deixasse em paz. Era um cavalheiro, isso sem dúvida, e eu poderia jurar que não me queria mal, só estava à procura de companhia, de alguém que o conseguisse ouvir e que se risse com ele. Mas eu tinha um trabalho e outras pessoas para atender, não podia estar a ser constantemente incomodada e interrompida pelo senhor Lepopldo. Já lhe tinha dito inúmeras vezes para me deixar em paz, mas ele insistia.
“Senhor Leopoldo, estou a meio de uma consulta!” tinha que lhe chamar à atenção, principalmente quando ele aparecia de surpresa.
Tinha uns olhos azuis sorridentes e o cabelo grisalho, que combinava com o bigode fininho. A cara dele dizia-me que tinha sido fresco e engatatão quando era jovem – e, pelos vistos, não era algo que ele quisesse parar de ser.
“Menina, não consigo estar longe de si! Estou convencido de que a poderia ajudar imenso!”
Eu lá tinha que o expulsar, sempre que conseguia. Quando não conseguia, deixava-o ficar calado, sossegado, desde que ele prometesse não interromper. Claro que os meus clientes ficavam preocupados, mas na realidade não era nada a que não estivessem já habituados. Às vezes, devo confessar, ele até me ajudava.
Um dia, depois de uma consulta, tentei falar com ele de novo.
“Sabe o que é que eu tenho para lhe dizer, não sabe?” perguntei-lhe.
Ele fingiu que não entendia. “Espero que seja ‘sim’, que aceite a minha ajuda e a minha companhia!”
“Senhor Leopoldo…”
“Menina,” interrompia-me ele “diga-me lá se não se ri comigo, se não a ajudo, se não lhe trago boa-disposição logo de manhã!”
“Traz. Mas o senhor não pode estar aqui!”
“Outra vez a história da luz?” fingia-se chateado.
“Sim, o senhor tem de ir para a luz. Este lugar já não é para si, a sua mulher e a sua querida mãe certamente o esperam do outro lado. Vai ser muito feliz!”
“Ai vou? E como é que a menina sabe se nunca lá foi?”
Eu suspirava, sem resposta. De que adiantava lutar? E o senhor Leopoldo desaparecia, só para estar no dia seguinte de novo à minha porta. Aquele espírito engatatão que se recusava a avançar e que queria, desesperadamente, uma médium que lhe fizesse companhia.