Ontem: a centralidade indiscutível dos jornais
Durante grande parte do século XX, os jornais impressos e, mais tarde, os televisivos, foram a principal fonte de informação da sociedade. Tinham capacidade de agenda-setting, isto é, definiam quais os temas que mereciam atenção pública e quais ficavam fora da esfera mediática. O silêncio de um jornal sobre determinado assunto equivalia quase à sua invisibilidade perante a opinião pública. A autoridade destes meios, praticamente incontestável, surgia de fontes filtradas, centralizadas, sendo o coração da esfera pública.
Hoje: fragmentação, imediatismo e desintermediação
Esse poder diminuiu significativamente. As redes sociais, os blogs, os podcasts e as plataformas digitais introduziram novas dinâmicas de consumo. Cada indivíduo pode agora escolher fontes alternativas, muitas vezes mais alinhadas com os seus interesses e crenças.
O imediatismo reforça esta mudança, uma vez que a notícia circula em tempo real, antes mesmo de passar por verificações rigorosas, corroendo o monopólio da credibilidade que os jornais detinham. Acresce ainda a desintermediação pela qual políticos, celebridades e especialistas comunicam diretamente com o público através das suas contas, dispensando a mediação jornalística tradicional.
Tendências globais: relatórios para refletir
O artigo de Mário Rui Cardoso, na revista Jornalismo e Jornalistas[1], chama a atenção para o Reuters Institute Digital News Report 2025. O estudo alerta que os media tradicionais, sobretudo nos EUA, “arriscam-se a ser eclipsados pelas personalidades e criadores de conteúdos online”. A realidade é global e aponta para a queda do uso de meios tradicionais; ascensão de redes sociais e plataformas de vídeo entre os mais jovens; influenciadores e figuras públicas em crescimento e, também, a inteligência artificial como fator disruptivo.
De acordo com o DataReportal – Global Digital Insights, a intromissão das redes sociais como fonte de notícias é clara:
- Facebook: 37% dos adultos acedem a notícias, semanalmente (em queda face a anos anteriores);
- WhatsApp: 21% usam para esse fim, com diferenças acentuadas entre países;
- TikTok: 12% já consomem notícias pela aplicação, sobretudo entre os mais jovens.
Katherine Maher, diretora executiva da NPR (rádio pública norte-americana), resume bem a mudança: “as pessoas hoje procuram uma relação direta com o repórter”.
O que permanece essencial nos jornais
Apesar da perda de protagonismo, os jornais não desapareceram. Pelo contrário, continuam a desempenhar funções que as redes sociais dificilmente substituem:
- Verificação e investigação: apenas redações profissionais conseguem sustentar longas investigações ou fazer fact-checking sistemático.
- Contextualização: posts virais raramente oferecem enquadramento histórico, político ou social.
- Credibilidade institucional: os jornais carregam uma reputação construída ao longo de décadas, algo que personalidades digitais não têm da mesma forma.
- Memória coletiva: as edições impressas e digitais constituem arquivos formais, registos históricos que sobrevivem ao fluxo efémero das redes.
Da centralidade à indispensabilidade
A era em que vivemos é de mudança contínua. Para sobreviver e manter relevância, os jornais têm de se integrar plenamente no ambiente digital, através de assinaturas, novos formatos e presença ativa nas redes. Já não são o centro absoluto da vida pública, mas continuam a ser âncoras de credibilidade. Assim, também o papel não morre e o cheiro inconfundível da tinta continuará a impregnar narizes e tingir mãos teimosas, sedentas do toque direto das letras.
[1] Jornal sites – in Jornalismo e Jornalistas, maio/setembro 2025.