Gosto muito de vários géneros literários (embora às vezes pareça que não saio dos mistérios e derivados, mas não é certo) e os jovens autores da literatura portuguesa têm-me dado momentos de leitura deliciosos. Gosto muito de José Luís Peixoto, Afonso Cruz, Valter Hugo Mãe, Nuno Camarneiro, entre outros, e já queria ler João Tordo há muito tempo. Por alguma razão O Luto de Elias Gro parecia-me o ideal para começar.
Sinopse:
Numa pequena ilha perdida no Atlântico, um homem procura a solidão e o esquecimento, mas acaba por encontrar muito mais.
A ilha alberga criaturas singulares: um padre sonhador, de nome Elias Gro; uma menina de onze anos perita em anatomia; Alma, uma senhora com um coração maior do que a ilha; Norbert, um velho louco que tem por hábito vaguear na noite; e o fantasma de um escritor, cuja casa foi engolida pelo mar.
O narrador, lacerado pelo passado, luta com os seus demónios no local que escolheu para se isolar: um farol abandonado, à mercê dos caprichos da natureza – e dos outros habitantes da ilha. Com o vagar com que mudam as estações, o homem vai, passo a passo, emergindo do seu esconderijo, fazendo o seu luto, e descobrindo, numa travessia de alegria e dor, a medida certa do amor.
O luto de Elias Gro é o romance mais atmosférico e intimista de João Tordo, um mergulho na alma humana, no que ela tem de mais obscuro e luminoso.
Sem dúvida que é um mergulho na alma, um livro atmosférico e intimista. É, também, uma opressão e uma libertação. E, como toda a literatura portuguesa que tenho descoberto, um livro duro e belo.
É bom pensar que o nosso país é capaz de parir pessoas que são capazes de expor de forma tão bela algumas das mais duras negritudes da vida.
Acompanhamos o narrador nesta viagem para fugir de si próprio e dos seus fantasmas, embora, como ele próprio diz no livro, cada vez que decide fugir os fantasmas já estão de malas feitas a perguntar para onde vão. E aqui passa-se o mesmo. Dono de uma dor para a qual não temos sequer nome (não posso desvendar, depois lêem), decidir ir viver para uma ilha, habitada por pessoas que ele não quer conhecer, mas que parecem ir entrando, de mansinho, na sua vida. Entre elas está Elias Gro, que dá título ao livro, e que terá um profundo impacto no nosso narrador.
Na ilha, ele percebe que não conseguiu fugir de si próprio, que continua ali, na mesma pele e com o mesmo passado, e cai num abismo. Depois, abandona tudo, quanto tinha e quanto era, indo ao mais selvagem e animalesco de si. Talvez seja nesse estado mais puro e animal que se encontre, ou que talvez perceba que nunca nos encontramos. E talvez sejam essas pessoas que ele não queria conhecer, mas que já fazem parte dele e que também têm amores e desgraças e vidas, que o vão ajudar a perceber-se, a perder-se, a resgatar-se.
É muito bonita esta viagem à ilha – à real, com todos os personagens e passados, e à figurada, que será ele próprio, que será cada um deles. Não sei o que mais dizer. É mesmo bonito e também negro e cru. Talvez não seja um livro para ser explicado e sim lido.
(Fotografia de autor/destaque de Vitorino Coragem)