A pobreza é um flagelo da sociedade. Ser pobre implica não viver dentro de determinados parâmetros, não ter acesso aos bens essenciais e ausência de capacidade monetária. Esta pode ser uma definição simplista e entendida por todos. Ser pobre é uma desgraça e ninguém o quer ser.
Pode-se nascer pobre ou cair em pobreza. Na Idade Média foram criadas as mercearias, instituições onde eram acolhidas as pessoas de bem caídas em pobreza. Aí eram-lhes fornecidos os bens essenciais e escondiam a sua vergonha. Mais tarde a palavra passou a ter um outro sinónimo, mas com a mesma função. Uma mercearia é um local onde se vendem os géneros que mais faltam fazem.
Nascer pobre ainda é uma realidade comum e endémica. A pobreza gera pobreza e cria-se um círculo vicioso. Ser pobre é igualmente um estigma que se cola à pele, que acompanha a pessoa e a família onde nasceu. Contudo, ser pobre pode implicar um outro lado da questão que é ser possuidor de outras riquezas.
Em miúda ofereceram-me uma lata, redonda, com rebuçados. Nunca gostei de tal coisa. Dei-os a quem os quis aceitar e guardei, religiosamente, essa lata. Tinha um significado especial para mim e penso que nunca me irei desfazer dela. Tenho a certeza. Tantos anos passados e a mesma continua a fazer sentido para mim.
Na tampa tinha uma família numerosa, muito pobre, a fazer uma refeição. A casa, se assim se pode chamar, é uma espécie de gruta, tapada, rudimentarmente, com cartões e chapas velhas. Por um orifício entra o sol. Uma luz fantástica que ilumina uma família de dois progenitores e uma ranchada de filhos. Todos pequenos. Os pais têm já ar de velhos.
Quando olhei para a imagem senti uma certa inveja. Sim, é verdade. Nada tinham, estavam a comer algo retirado de uma panela de ferro, servido pela mãe, vestidos com roupas muito usadas e quase andrajosas, mas emanavam um enorme ar de felicidade.
As crianças, lindas, transmitiam equilíbrio, educação e bem-estar. Nada tinham a não ser um espaço exíguo e bem despojado, mas com valores e sentimentos. Pessoas que amam e sabem amar são ricas, cheias de fortunas que os outros desconhecem.
Não me canso de olhar para eles. É a minha lata de estimação. É nela que guardo a minha coleção, mais acumulação, de moedas antigas. Irónico, não é? Um estojo de pobreza a guardar a riqueza acumulada. Não sei se têm valor monetário, mas para mim é mesmo sentimental.
Lá dentro estão moedas de várias épocas, que contam histórias que desconheço e não sei a quem pertenceram. Imagino o seu fabrico, o contexto e as mãos por onde passaram. Desconheço o seu valor pecuniário, mas estão bem entregues àquela família que as possui sem as ter. São os seus fiéis depositários.
Criar tantos filhos sem recursos exige uma grande ginástica económica. Demonstra inteligência e desembaraço. Certas características que nem todos conseguem atingir. Aquela mulher certamente que ainda amanhava a terra, ajudava o seu homem, como se dizia na altura.
Ser mulher sempre foi duro, não é de agora. Hoje a tarefa está um pouco mais facilitada, mas continua a ser uma luta constante. Como conseguiam criar tantos filhos, governar as casas e ainda trabalhar? Complicado, não é? Sem telemóveis, sem automóveis, sem dinheiro, sem amor próprio, mas com imenso para dar aos seus.
Isto era riqueza e não carência. Uma riqueza tão grande que transbordava de felicidade. Aquele casal encontrava motivos para se continuar a amar, a fazer mais filhos, a trazer mais vidas para uma sociedade que era madrasta. No entanto e, contra todas as expectativas, amavam-se.
Certamente que os filhos respeitavam os pais, lhes obedeciam, os ouviam e os amavam. Como é possível que uma lata, um objeto vulgar consiga conter tanto poder dentro de si? Remete-me para um tempo de educação sem preço e de alegria sincera.
Hoje somos todos mais ricos, mas existe em nós uma enorme pobreza. Tudo temos, mas não estamos satisfeitos. Queremos mais e ainda assim não nos chega. Deixámos de sentir e somos coisas que se movimentam numa sociedade de consumo.
Onde andam os sentimentos? Já não sabemos repartir, somos egoístas e só pensamos nos nossos interesses. Os outros são desvalorizados e deixam de ter a menor importância. Só interessa o aqui e o agora. Odiamo-nos sem o sabermos.
Aquela família repartia e não era preciso explicar os benefícios de um bem comum. Era de todos e para ser usufruído. Era o sentimento coletivo, a necessidade que aguçava o engenho. Agora tudo é dado de mão beijada sem o menor esforço e nada valorizado. Tempos.
Caímos em pobreza e dela não vamos sair tão cedo. Estamos tão pobres que nem percebemos o quão envergonhados estamos. Somos miseráveis e assim iremos permanecer. O amor desapareceu e deu lugar ao materialismo. Ter. Mostrar. Exibir.
Somos mais educados, sabemos ler e escrever, mas não damos préstimo aos nossos conhecimentos. Tudo está mal e o nosso umbigo é que está bem. Os outros têm de se adaptar a nós e não o seu contrário. Estamos cegos. Muito.
Os pais esquecem-se de dar educação aos filhos e querem ser os seus amigos. Um pai/mãe é um educador que também pode ser um amigo/a. Primeiro dita as regras e faz com que se cumpram. O amigo só aparece a seguir. Estamos mudos.
Um filho é algo nosso, uma marca testamentária de valor incalculável. Cumpre-nos educá-lo de modo correto. Ninguém diz que é fácil e os desafios são constantes, mas a disciplina é o valor essencial. Estamos surdos.
Temos automóveis, computadores, telemóveis e somos tão pobres! Muito mais pobres que os pobres que deambulavam pelas ruas na Idade Média. Esses nada tinham e nada queriam a não ser sobreviver. Eram os pobres de Cristo, hoje nem existe nome para esta pobreza contemporânea.
Hoje usamos e deitamos fora, não queremos saber. Vivemos de costas voltadas uns para os outros e desejamos o pior ao vizinho só porque ele tem aquilo que nós não temos. O que é isto? Pobreza camuflada de inveja.
Somos pais, adultos, responsáveis e educadores. A nossa tarefa não é assumida de ânimo leve, está repleta de altos e baixos, de areias movediças e de armadilhas, mas cumpre-nos saber dar a volta, derrubar as barreiras e encontrar o caminho mais certo.
Aqueles pais, os da lata redonda, não eram insultados pelos filhos, não os ouviam a exigir e a fazer birras de crianças caprichosas, mimadas e mal-educadas. Educavam, desse por onde desse. A infância é somente um período da vida e os pais devem criar cidadãos firmes, decididos e bem formados.
Ninguém é detentor da verdade e vivemos em sociedade. É uma questão de boa vontade de se saber ouvir. Juntos encontraremos soluções que possam satisfazer algumas partes. Nada é perfeito e estamos conscientes disso.
Soeiro Pereira Gomes, escritor neo-realista escreveu sobre os homens que nunca foram meninos, aqueles que tiveram sempre uma vida de luta, que não usufruíram do período de vida que lhes permitisse tudo, até mesmo sonhar.
Não vamos cair no seu oposto e prolongar, indefinidamente, a infância dos nossos filhos, deixá-los no mundo fofinho por demasiado tempo. Corremos o sério risco de estar a criar meninos que nunca poderão ser homens.
Pobreza não é sinónimo de carência, mas sim de necessidade de aprendizagem e de grande reflexão para evitar voltar a cair no mesmo. Parafraseando um líder histórico: aprender, aprender sempre!