Há sempre um antes e um depois.
No antes, havia tudo. Havia branco e luz e felicidade.
No depois, perdeu-se a inocência. Perdeu-se o saber que tudo fica bem, a habituação ao sempre, a rotina de sermos nós, como fomos e seremos. Perderam-se as fotos loucas em que se abanava o cabelo e se faziam caretas. As fotos estão lá, claro, mas as pessoas não são as mesmas que estão ali presas naquele papel brilhante; porque os sentimentos já não são tão iguais nem tão imaculados como eram antes, no antigamente da infância. Porque as pessoas que estão na foto, com as suas caretas e a sua inocência congeladas no tempo, já não se acham imortais. Já não são imortais. Mudaram.
Não.
Não foram só as pessoas que mudaram, por si próprias, por crescer, viver, experimentar.
Não.
Tudo mudou.
E tudo mudou assim do nada, de um segundo para o outro, e nem a força e pureza da juventude parece afastar a corrente de mortes que se vai fazendo atrás de vocês.
Lembras-te desse dia, do dia em que tudo mudou? Ela viu-te. Estavas a ir na direcção dela, e correste enquanto lhe sorrias. Ias atravessar a estrada, mas paraste. Deixaste o carro passar, e depois correste de novo para a abraçar. Ela já se tinha levantado, ela e o sorriso dela. Abraçaste-a. Não a vias há meses, à tua própria irmã. Pegaste nas malas, e foste a falar com ela até ao carro, a contar coisas sobre a família e o trabalho, a perguntar-lhe coisas sobre a vida dela no estrangeiro. Sentias-te feliz por vê-la, e lembraste-te que quando eram pequeninos odiavam-se, como os irmãos se odeiam e adoram. Estava a ser um bom dia. Conduziste devagar, levaste-a para casa dos vossas pais, e despediste-te dela, com a promessa de falarem mais tarde.
“Vou ter com uns amigos, já volto! É só um café!” E ela sorriu, disse “’tá bem” e foi desfazer as malas.
Saíste de casa. Mas nunca chegaste.
Se nos tivessem dito, na altura daquelas fotos loucas, que serias o primeiro de nós a morrer, na nossa inocência, onde a morte não era real nem bem-vinda, teríamo-nos rido e tirado mais uma foto.