O Adeus a Álvaro – Parte 2

Outra das grandes razões e quem sabe a mais marcante, é o facto do ex-ministro, nas suas competências, ter estado sempre na sombra de outras personalidades do governo, nomeadamente do ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que constantemente tomou para si diversas pastas da política económica, retirando o poder ao ex-ministro da Economia. Veja-se o caso dos fundos do QREN, ou a descida do IRC. Outra sombra que teve sempre consigo foi a de Paulo Portas que, como ministro dos Negócios Estrangeiros, num plano de intervenção da troika, tinha mais poder de negociação internacional, nomeadamente com Bruxelas, no que toca ao plano da diplomacia económica. Curiosamente, após a irrevogável crise política gerada por Portas, o aligeirado ministério da Economia é liderado pelo seu braço direito, António Pires de Lima.

No entanto, este sobrevivente a diversas tentativas de remodelação, tem um mérito que ninguém lhe pode retirar. Para além de ter tido sucesso em diversas áreas sensíveis, como foi o caso da negociação da greve dos estivadores, ou o acordo de concertação social com a UGT, os investimentos na indústria mineira, ou a redução das rendas da energia, provavelmente o maior lobby que teve de enfrentar, ou uma das suas primeiras acções, o cancelamento do projecto do TGV, Álvaro Santos Pereira foi o ministro que conseguiu quase passar de besta a bestial, transformando a sua imagem e sendo elogiado por diversos comentadores e até pela opinião pública. Incontornável também é o facto dos seus esforços e a sua ideia da necessidade de promover as exportações, que têm crescido durante esta legislatura, fizeram de Portugal um país com um saldo positivo na balança comercial já no ano de 2012, reforçado no primeiro quadrimestre de 2013, algo que não acontecia desde 1943.

Desta forma, colocam-se duas importantes questões. A primeira prende-se com a decisão de retirar Álvaro Santos Pereira do ministério e a segunda com o que poderia ainda ter feito pela economia portuguesa.

Em relação à primeira questão, não poderemos ignorar que o ministério que tutelava era demasiado extenso e não seria sustentável por muito mais tempo ter matérias tão importantes como economia e emprego sob a mesma alçada com resultados que urgem por ser positivos. Note-se que o crescimento da economia e a descida da taxa de desemprego são duas questões que desde cedo foram importantes, mas que, agora, com a fórmula da austeridade totalmente posta em causa, começam a tornar-se a nova solução para a crise. Estas duas importantes pastas nas mãos de alguém muito pouco político, que nunca conseguiu marcar a sua posição dentro do governo, por mais brilhantes ideias que tenha, num sistema excessivamente labiríntico e burocrático, é uma tarefa titânica, ainda para mais, quando teve, durante tanto tempo, de enfrentar o poder de Vítor Gaspar e de sobreviver à pressão política de Paulo Portas.

Álvaro Santos Pereira e Vítor Gaspar - LusaPor muito que consideremos a saída de Santos Pereira do Governo uma atitude menos boa para o país, o facto é que dificilmente ele se conseguiria aguentar muito mais tempo. Tendo em conta que a política do ministério das Finanças se manterá inalterada para já, mesmo com a saída de Vítor Gaspar, impossibilitando reformas mais profundas em termos de investimento e emprego, que também nunca conseguimos saber se Santos Pereira queria realizar, e que teriam sempre de ser negociadas com a nova ministra, dificilmente conseguiria marcar a diferença. Também não nos podemos esquecer, claro, que a inexperiência política e as pressões dos lobbies maltrataram profundamente e durante muito tempo a frágil imagem do ex-ministro, sendo que a recuperação de imagem que se verificou na opinião pública nestes últimos tempos, não foi o suficiente para a sua defesa na manutenção da função.

Embora a segunda questão envolva futurologia, existem alguns pontos que podem ser indicadores da actuação de Santos Pereira, se ainda fosse ministro. Os ténues sinais que a economia portuguesa está a dar, ainda muito frágeis, sem dúvida, aliadas à cada vez mais criticada política de austeridade, poderiam ter dado força a Santos Pereira para promover algumas mudanças significativas em termos de política económica. O problema aqui reside numa questão que sempre assolou a realidade governamental portuguesa, que é o facto de nunca se conseguir perceber muito bem para que serve e qual o âmbito de actuação dum ministério da Economia. Se por um lado parece ser um ministério de importância superior, com potencial para mostrar muito trabalho, parece-nos sempre, ao longo dos vários governos, que nunca consegue realmente mostrar trabalho, ficando muitas vezes preso a investimentos, como as obras públicas, que, como hoje bem sabemos, têm trazido mais custos que proveitos.

Os ataques às estruturas instituídas, como a energia e as comunicações, que pautaram algumas das actuações do ex-ministro, poderiam ser mais profundas e com maiores resultados, nomeadamente pelo facto de Santos Pereira ser um independente, que o salvaguardaria um pouco qualquer das cores políticas presentes no governo. Se, desde o início, Álvaro Santos Pereira tivesse sido suportado, ainda que nos bastidores, pelos principais membros políticos do governo, hoje teria efeitos diferentes e positivos, até mesmo, na imagem do executivo.

Dificilmente saberemos se Álvaro Santos Pereira teria capacidade de reformular a estratégia económica portuguesa, agora tarefa entregue a um político profundamente ligado aos meandros da economia, Pires de Lima, mas nestas lides, os elos mais fracos são os primeiros a quebrar e, embora tenha resistido muito tempo, o ex-ministro foi sempre um elo mais fraco, mal aproveitado pelo Governo nas suas capacidades e no seu estilo.

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