Mulheres que viajam sozinhas

Começo por vos fazer uma pergunta e peço-vos que usem da maior sinceridade na resposta. Não precisam partilhá-la, sequer. O que pretendo é que, de forma imediata e sem pensar, muito menos sem corrigir reações na conformidade do bem parecer, reajam ao seguinte: a que associam uma mulher que viaja sozinha?

Há já algum tempo que a questão surge na minha cabeça. Talvez não tanto em forma de viagem efectiva, mas em termos de autonomia de se ir sozinha a espectáculos, por exemplo, tema de que já vos falei noutros artigos. Contudo, nesta minha última viagem à Grécia, encontrei várias mulheres a viajar sozinhas, de forma tão significativa que é impossível não notar. E porque falo eu apenas em mulheres, se haverá também homens a fazê-lo? Porque é preciso.

Demograficamente é evidente que há mais mulheres que homens. Há também uma longevidade maior nas mulheres. E há mais mulheres solteiras / divorciadas / viúvas. Há, portanto, numericamente, mais mulheres a viajar sozinhas, ainda que seja uma tendência recente, mas amplamente crescente. E se vos falo disto, é porque eu própria também tenho as minhas reticências, ou tinha, antes de abrir os olhos ao mundo e deixar-me de ideias preconcebidas, para não dizer preconceitos.

A reação mais representativa continua, na minha opinião, a ser: coitadinha, não tem companhia! E se esta é uma condicionante triste, pior é a que se lhe segue: deve andar à caça.

Relativamente a um homem, a tristeza já não se coloca, é por certo um homem independente e culto. No que se refere à caça, é suposto, nas cabecinhas desta gente, ser uma constante, em viagem ou não. Nada de estranho, portanto, no facto de um homem viajar só. Independente e à caça. Tão louvável e distinto, não é? E diferente, também.

Conheci, como vos disse antes, algumas mulheres nesta viagem. E foi ao falar com elas que me percebi que estavam muito à vontade e felizes com a sua opção, e não estavam minimamente preocupadas com a avaliação tacanha que terceiros possam fazer.

A Luz, por exemplo. Portuguesa, 73 anos, viúva. Sempre gostou de viajar e fê-lo com o marido por diversas vezes. Não fala inglês, arranha o castelhano e o francês, mas nem essa aparente limitação linguística a detém. Este ano já esteve em Tenerife e agora em Atenas. Tem alguma condição económica que lhe permite viajar frequentemente, e apesar da idade, subiu ao topo dos montes, aos sítios arqueológicos, com alguns abrandamentos pelo meio, mas incentivada pelos demais, cumpriu todo o percurso. E sempre em bem, com um ar requintado, chapéu e colares, bolsa e echarpe. Confessa-me que as viagens fisicamente exigentes já a deixam algo exausta, mas nem por isso deixa de começar a pensar na próxima viagem. Confidencia-me que em Istambul uma portuguesa de cerca de 20 anos lhe perguntou se as filhas não se sentiam inseguras com o facto de ela viajar. Que sim, mas não ia deixar de o fazer, enquanto pudesse, pelo menos. Num dos dias insisti para que ligasse a uma das filhas, porque ainda não o tinha feito desde que chegara. A frase da filha, quando atendeu o telefone, foi engraçada: até que enfim, quando cá chegares vamos ter uma conversinha, que isto de não dizeres por onde andas…  Papeis invertidos, pois então.

Conheci também a Karine, suíça, 53 anos, casada e com 2 filhas gémeas de 23 anos. Todos os anos tira uns dias só para si. O marido viaja muito em trabalho e já conhece a Grécia. Ainda assim, se o marido ou as filhas se querem juntar a ela, por se agradarem do destino por ela escolhido, ela diz veemente que não, aqueles dias são só dela. Uma viagem também ao interior de si mesma, para por a casa em ordem, sem distrações e sem encargos. Olho-a enquanto mira o mar egeu, como se pudesse aí permanecer sempre, perde-se a linha do tempo na linha do horizonte. Ressalta nela uma tranquilidade imensa, como se tudo fizesse sentido, como se estivesse exatamente onde quer estar.

Quando cheguei, comentei isso com amigos, essa crescente tendência de as mulheres viajarem sozinhas, muitas vezes por opção, outras por circunstâncias da vida. E alguém me fala numa amiga que faz viagens pelo Vietname, Laos e Camboja muito pouco planeadas, sem término temporal, organizando-se dia a dia. Este é um tipo de viagem que nem toda a gente tem perfil para fazer… dormir por onde calha, comer o que aparece, trabalhar em troca de dormida, é preciso uma disponibilidade e flexibilidade mentais enormes, conheço pouco quem o faça.

Há quem tenha generosas condições financeiras e, portanto, tenha dificuldade em encontrar parceiros de viagem ao mesmo nível. São pessoas que frequentam hotéis de luxo, alimentam-se em restaurantes de alto calibre ou fazem viagens com retorno volátil, na medida em que trabalham por conta própria ou resolveram tirar um ano sabático. Difícil, por isso, de acompanhar pelo comum dos mortais, que poupam todo um ano ou mais para realizar um sonho e ainda assim sabem que têm que voltar com data marcada.

Existe ainda a questão da segurança. Conheço quem tenha ido sozinha a Marrocos e tenha tido alguns problemas, especialmente porque as culturas árabes encaram com alguma estranheza uma mulher que viaja só. Teve que se abrigar numa loja, pedindo ajuda à vendedora, porque andava a ser perseguida por um homem.  O mesmo terá dito à vendedora que a moça em questão lhe devia dinheiro, o que não era verdade. Caso isolado ou não, penso que há locais mais seguros para uma mulher iniciar as viagens sozinha, e então mais tarde, mais confiante e alerta, poderá intentar destinos mais passíveis de ousadias várias.

A vida nem sempre nos permite ter a companhia que possa estar na mesma sintonia: que aprecie o mesmo destino, o mesmo ritmo ou estilo de férias, que tenha condições materiais de realizar o sonho, ou que possa ter férias na mesma altura.  E então, é altura de pensar se se aguarda pela companhia, que pode nunca surgir, ou se é momento de avançar.

Algo que todas elas me transmitiram foi a riqueza de poder conhecer mais facilmente outras pessoas. Quando se viaja acompanhado as partilhas são essencialmente com os companheiros de viagem, família ou amigos. Estando-se só, há mais disponibilidade para encetar conversas com outros solitários em viagem ou mesmo juntar-se a grupos, conhecer gentes diferentes, integrar-se mais.

Não tem que ser uma viagem longa, nem sequer ao estrangeiro. Começar devagar, dando tempo a que a coragem se solidifique e o desejo seja maior que o receio. Um pouco como quando começamos a andar, pouco a pouco, passo a passo.

Isto não significa de todo que não se aprecie companhia ou não se viaje acompanhado.

Significa apenas não deixar de viajar porque se vai só.

Enquanto escrevo este artigo, lembro-me que tenho um voucher de uma noite de hotel que me ofereceram em tempos. E eu, que nunca viajei sozinha, talvez aproveite para saborear um fim-de-semana só meu. Depois conto-vos.

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Comments 2
  1. Viajar sozinha(o) e liberdade. Aconselho a todos experimentar e fico muito contente de ver um artigo sobre este tema. Acordar de manhã sabendo que o destino, caminhos e escolhas desse dia dependem de ti é indescritível.

    1. Temos que desmistificar esta ideia, além de que é desta forma que nos conhecemos integralmente. Obrigada 🙂

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